Thiago Giovani Romero
As mudanças climáticas configuram um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade no século XXI, com impactos que ameaçam o gozo de direitos humanos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à água e ao desenvolvimento. A proteção dos direitos humanos é essencial para uma resposta eficaz à crise climática, garantindo a participação, a transparência e a responsabilização na formulação e implementação de políticas climáticas.
A adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2015 pela Assembleia Geral das Nações Unidas representou um marco na integração das agendas de direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Muitos dos ODS, como erradicação da pobreza, saúde, educação, igualdade de gênero e acesso à energia, têm uma relação direta com a proteção do clima e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. O ODS 13, que trata especificamente da ação climática, depende do avanço em outros objetivos para ser alcançado de maneira justa e sustentável.
Nesse cenário, o pedido de Opinião Consultiva sobre Mudanças Climáticas e Direitos Humanos feito pelo Chile e pela Colômbia à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em janeiro de 2023, juntamente com a recente publicação da Opinião Consultiva sobre os Efeitos das Mudanças Climáticas sobre os Direitos do Mar emitida pelo Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar (ITLOS) em maio de 2023, representa importante desenvolvimento na articulação entre esses temas e suas repercussões na implementação dos ODS na região das Américas e no mundo.
No pedido de Opinião Consultiva, Chile e Colômbia solicitaram à Corte IDH que esclarecesse o alcance das obrigações dos Estados para responder à emergência climática no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, considerando os efeitos diferenciados sobre pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade. As perguntas apresentadas abordam temas como a relação entre a emergência climática e a violação de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, as obrigações dos Estados de mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas, a proteção de defensores ambientais e de direitos humanos, os direitos das gerações futuras e a responsabilidade dos Estados por danos transfronteiriços. A Opinião Consultiva da Corte IDH, ainda não publicada (mas, com audiências realizadas em Barbados e no Brasil, no primeiro semestre de 2024), deverá oferecer orientações aos Estados sobre como interpretar e aplicar a Convenção Americana no contexto da crise climática, contribuindo para a implementação dos ODS de forma alinhada com os padrões interamericanos de direitos humanos.
Por sua vez, em maio de 2023, o ITLOS emitiu sua Opinião Consultiva sobre os Efeitos das Mudanças Climáticas sobre os Direitos do Mar, reconhecendo que as mudanças climáticas representam uma ameaça existencial para muitos Estados e que seus impactos afetam diretamente os direitos e obrigações dos Estados no mar, como a pesca, a navegação e a exploração de recursos marinhos. O ITLOS afirmou que os Estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio marinho dos efeitos adversos das mudanças climáticas, enfatizando a necessidade de cooperação internacional e a consideração dos impactos diferenciados sobre pequenos Estados insulares em desenvolvimento e povos indígenas que dependem do mar para sua subsistência.
Embora a decisão do ITLOS tenha um escopo mais limitado que a da Corte IDH, ela reforça a importância de integrar as considerações sobre mudanças climáticas na interpretação e aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) e outros instrumentos relevantes. Isso impactará diretamente a implementação de diversos ODS relacionados aos oceanos, como vida na água (ODS 14) e parcerias e meios de implementação (ODS 17). As Opiniões Consultivas da Corte IDH e do ITLOS têm o potencial de impulsionar avanços significativos na implementação dos ODS, especialmente no que se refere à ação climática e à cooperação internacional. Ao esclarecer as obrigações dos Estados em matéria de direitos humanos e direito do mar no contexto das mudanças climáticas, esses tribunais contribuirão para fortalecer a base jurídica para a adoção de medidas ambiciosas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, alinhadas com os padrões internacionais de direitos humanos.
Além disso, promoverão a responsabilização dos Estados por danos climáticos transfronteiriços e a reparação às vítimas, garantindo a proteção de defensores ambientais e de direitos humanos que atuam na defesa do clima. As Opiniões também assegurarão a participação efetiva de grupos em situação de vulnerabilidade na formulação de políticas climáticas, reconhecerão os direitos das gerações futuras e a necessidade de ações climáticas de longo prazo, e reforçarão a cooperação internacional para enfrentar os desafios climáticos globais, especialmente no que se refere aos oceanos. Ao estabelecer padrões jurídicos claros sobre a relação entre mudanças climáticas, direitos humanos e direito do mar, as Opiniões Consultivas contribuirão para uma implementação mais coerente e eficaz dos ODS, evitando conflitos e lacunas.
As Opiniões Consultivas da Corte IDH e do ITLOS representam marcos importantes no desenvolvimento do direito internacional climático e sua articulação com os regimes de direitos humanos e do direito do mar. Ao esclarecer as obrigações dos Estados nessas áreas, esses tribunais fornecem ferramentas jurídicas para uma implementação mais robusta e integrada dos ODS, especialmente no que se refere à ação climática e à cooperação internacional.
A efetividade dessas Opiniões Consultivas dependerá da vontade política dos Estados em cumprir suas obrigações e da capacidade da sociedade civil em monitorar e exigir a responsabilização. Espera-se que esses desenvolvimentos jurisprudenciais inspirem avanços em fóruns como a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP) e o Conselho de Direitos Humanos da ONU. A articulação entre mudanças climáticas, direitos humanos e ODS, impulsionada pelas Opiniões Consultivas da Corte IDH e do ITLOS, representa uma oportunidade única para enfrentar de forma integrada alguns dos maiores desafios de nosso tempo, permitindo que Estados, organizações internacionais e sociedade civil colaborem na construção de um futuro mais justo, sustentável e resiliente às mudanças climáticas.
Referências
CEJIL. Chile e Colômbia unem forças para pedir à Corte Interamericana de Direitos Humanos diretrizes para responder à emergência climática, 2023. Disponível em: https://cejil.org/pt-br/blog/chile-e-colombia-unem-forcas-para-pedir-a-corte-interamericana-de-direitos-humanos-diretrizes-para-responder-a-emergencia-climatica/. Acesso em: 22 ago. 2024.
CORTEIDH. Pedido de Parecer Consultivo da República da Colômbia e da República do Chile à Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre Emergência Climática e Direitos Humanos, 2023. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/soc_1_2023_pt.pdf. Acesso em: 22 ago. 2024.
ITLOS. Request for an advisory opinion submitted by the Commission of small island states on climate change and International Law, 2024. Disponível em: https://www.itlos.org/fileadmin/itlos/documents/cases/31/Advisory_Opinion/C31_Adv_Op_21.05.2024_orig.pdf. Acesso em: 21 ago. 2024.
LIMA, Lucas Carlos. O parecer consultivo de mudanças climáticas na CIDH, 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mai-15/lucas-lima-parecer-mudancas-climaticas-cidh/. Acesso em: 21 ago. 2024.
SARLET, Ingo; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado de emergência climática e limites planetários na nova época geológica do antropoceno. In: SARLET, Ingo; WEDY, Gabriel; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de Direito Climático. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2023.