Para inaugurar o Observatório Interamericano e Europeu dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Cátedra Jean Monnet/UFU, a Profa. Claudia Loureiro, Coordenadora da Cátedra, analisa o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional contra o Presidente da Rússia, Vladimir Putin e sua Comissária, Lvova-Belova.

Em 17 de março de 2023, o Tribunal Penal Internacional emitiu mandado de prisão contra o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e contra Lvova-Belova, Comissária para os Direitos das Crianças, do Gabinete do Presidente Russo, sob a alegação de que ambos cometeram crimes de guerra ao transferirem crianças da Ucrânia para a Rússia, no contexto da guerra.

Para se compreender a importância da expedição do mandado de prisão em análise, é preciso fazer uma breve introdução sobre os principais aspectos do Tribunal Penal Internacional. O tema pode ser consultado em artigo publicado pela Coordenadora da Cátedra: LOUREIRO, Claudia. A jurisdição universal do Tribunal Penal Internacional e o deslocamento forçado do Povo Rohingya: o caso Myanmar v. Bangladesh do TPI. Revista Direito, Estado e Sociedade, n. 59, p. 145-171, 2021. Disponível em https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/1410/699. Acesso em: 3 ab. de 2023.

O Tribunal Penal Internacional é um tribunal internacional, com sede em Haia, constituído pelo Estatuto de Roma, de 1998, que entrou em vigor em 2002, após a ratificação de 60 Estados. O Tribunal tem jurisdição para investigar e julgar indivíduos acusados de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão, sendo composto por quatro órgãos: Presidência, Seções Judiciais (Recursos, Julgamento e 1ª Instância e Instrução), Promotoria e Secretariado.

A Promotoria do TPI é um órgão autônomo, independente e responsável pela investigação e pelo exercício da ação penal. Sua coordenação é exercida por um Procurador, eleito pela Assembleia dos Estados-parte, para um mandato de 9 anos. Além disso, o Tribunal é composto por 18 magistrados, eleitos pela Assembleia dos Estados-parte para um mandato de 9 anos.

As investigações, no TPI, podem ter início de três formas: por denúncia de um Estado-parte do ER; por encaminhamento do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas; ou por investigação iniciada de ofício pela Promotoria. O encaminhamento pelo CSONU permite a investigação e o julgamento de crimes sem vínculo territorial ou de nacionalidade ativa de um Estado-parte no ER.

O Tribunal também poderá exercer a sua jurisdição se um Estado aceitá-la por declaração expressa para a investigação e o julgamento de crimes cometidos em seu território ou por seus nacionais, postura que foi adotada pela Ucrânia em 2015, no contexto dos combates no leste ucraniano.

A jurisdição do TPI é exercida em caráter subsidiário dos sistemas dos Estados-parte, o que decorre do princípio da complementaridade, ou seja, o TPI atuará se os Estados-parte não quiserem, não puderem ou não tiverem condições de atuar e de julgar.

A Rússia não faz parte do TPI, que não realiza julgamentos à revelia. Para haver julgamento, no caso, o indivíduo deveria ser entregue ao TPI ou ser preso fora da Rússia, o que não ocorrerá no caso em tela. Por essa razão, a expedição do mandado de prisão pelo TPI é simbólica, mas representa um grande avanço para o Direito Internacional, pelas razões a seguir expostas.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que a transferência forçada em massa de crianças ucranianas para a Rússia demonstra o plano do governo russo de minar a história e a origem do povo ucraniano, fazendo com que as crianças passem por uma fase de aculturação.

Ainda é preciso ressaltar que há indícios da prática de crimes de guerra na Ucrânia e que a proteção das crianças, seja em tempos de paz ou de guerra, é um imperativo dos DH, que não pode ser relativizado, nem mesmo tolerado pela comunidade internacional, que dispõe de tratados e convenções internacionais no sentido de preservar sues direitos.

Embora a decisão, aparentemente, seja simbólica, um mandado de prisão emitido contra um líder do Norte Global é um grande avanço para um tribunal considerado jovem que processou e condenou, em geral, líderes oriundos do Sul Global.

Apesar da Rússia não fazer parte do TPI, os crimes foram praticados dentro do território ucraniano, que aceitou a jurisdição do TPI para os crimes praticados em seu território, no leste ucraniano, em 2015. Considerando-se que o atual conflito tem origens na Primavera Ucraniana, palco dos crimes praticados a partir daquele ano, objeto da declaração da Ucrânia de aceitação da jurisdição do TPI, é possível afirmar que existem fundamentos para a incidência da jurisdição do TPI.

Para o entendimento do caso, é possível recordar o precedente do Caso do Povo Rohingya do TPI, que discutiu os fundamentos para a incidência da jurisdição do TPI para os crimes praticados no território de Myanmar, que não é parte do ER, mas que continuaram a ser perpetrados no território de Bangladesh, que é parte do ER.

A análise do caso foi feita pela Coordenadora da Cátedra, a Profa. Claudia Loureiro (2021, p. 154) que assim pontuou:

Para corroborar a tese de que o Tribunal Penal Internacional pode exercer a jurisdição universal no caso do Povo Rohingya, aplica-se a ideia de que, embora a prática dos atos coercitivos de deportação tenha ocorri- do no território de um Estado que não é parte no Estatuto de Roma, pelo menos um elemento essencial para a caracterização do crime ultrapassou a fronteira nacional e gerou efeitos no território de um outro país, Bangladesh, que é parte do Estatuto de Roma de 1988.

Assim, por analogia, pode-se afirmar que os mesmos fundamentos usados para o Caso do Povo Rohingya podem ser usados para o caso da Ucrânia. Sob esta perspectiva, já haveria a possibilidade de incidência da jurisdição do TPI no caso da Guerra da Ucrânia. Além disso, 43 Estados-parte do ER,  com fundamento no Artigo 14 do documento, apresentaram denúncia ao Procurador acerca dos crimes praticados no território da Ucrânia, desde 21 de novembro de 2013, o que motivou a investigação da Procuradoria do TPI.

Por todo o exposto, é possível afirmar que o mandado de prisão emitido contra Putin e sua Comissária tem forte impacto no Direito Internacional e representa um avanço para a prevenção e para a punição dos crimes mais odiosos cometidos contra a humanidade.

É o começo da mudança de paradigma da narrativa estatocêntrica e hegemônica, que impera no mundo e que permite a degradação e a violação dos direitos humanos, para um porvir mais conectado à preservação dos DH e dos interesses da humanidade.

REFERÊNCIAS

LOUREIRO, Claudia. A jurisdição universal do Tribunal Penal Internacional e o deslocamento forçado do Povo Rohingya: o caso Myanmar v. Bangladesh do TPI. Revista Direito, Estado e Sociedade, n. 59, p. 145-171, 2021. Disponível em https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/1410/699. Acesso em: 3 ab. de 2023.

BIAZATTI, Bruno de Oliveira. Tribunal Penal Internacional emite mandado de prisão contra Vladimir Putin. International Law Agendas. ILA-Brasil. Disponível em http://ila-brasil.org.br/blog/tribunal-penal-internacional-emite-mandado-de-prisao-contra-vladimir-putin/. Acesso em: 3 ab. 2023.

To inaugurate the Jean Monnet Chair’s Inter-American and European Sustainable Development Goals Observatory, Professor Claudia Loureiro, Chair Coordinator, analyzes the arrest warrant issued by the International Criminal Court against Russian President Vladimir Putin and his Commissioner, Lvova-Belova.

On March 17, 2023, the International Criminal Court issued arrest warrants against Russian President Vladimir Putin and Lvova-Belova, Commissioner for Children’s Rights in the Russian President’s Office, on the grounds that they both committed war crimes by transferring children from Ukraine to Russia in the context of the war.

To understand the importance of the issuance of the arrest warrant under review, it is necessary to give a brief introduction to the main aspects of the International Criminal Court. The subject can be consulted in an article published by the Chair’s Coordinator: LOUREIRO, Claudia. A jurisdição universal do Tribunal Penal Internacional e o deslocamento forçado do Povo Rohingya: o caso Myanmar v. Bangladesh do TPI. Revista Direito, Estado e Sociedade, n. 59, p. 145-171, 2021. Disponível em https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/1410/699. Acesso em: 3 ab. de 2023.

The International Criminal Court is an international court, based in The Hague, constituted by the 1998 Rome Statute, which entered into force in 2002, following ratification by 60 states. The Court has jurisdiction to investigate and try individuals accused of genocide, crimes against humanity, war crimes and crimes of aggression, and is composed of four bodies: Presidency, Judicial Sections (Appeals, Trial and 1st Instance and Instruction), Prosecution and Secretariat.

The ICC Prosecutor’s Office is an autonomous, independent body responsible for investigation and prosecution. Its coordination is exercised by a Prosecutor, elected by the Assembly of States Parties for a 9-year term. In addition, the Court is composed of 18 magistrates, elected by the Assembly of States Parties for a 9-year term.

Investigations at the ICC can be initiated in three ways: by complaint by a state party to the RE; by referral from the United Nations Security Council; or by an investigation initiated ex officio by the Prosecutor’s Office. The referral by the UNSC allows for the investigation and prosecution of crimes without territorial attachment or active nationality of a State Party to the RE.

 The Court may also exercise its jurisdiction if a state accepts it by express declaration for the investigation and prosecution of crimes committed on its territory or by its nationals, a stance that was adopted by Ukraine in 2015 in the context of the fighting in eastern Ukraine.

The jurisdiction of the ICC is exercised in a subsidiary capacity to the systems of the states parties, which follows from the principle of complementarity, i.e., the ICC will act if the states parties are unwilling or unable to act and judge.

Russia is not part of the ICC, which does not conduct trials in absentia. For there to be a trial, in this case, the individual would have to be surrendered to the ICC or arrested outside of Russia, which will not happen in this case. For this reason, the issuing of the arrest warrant by the ICC is symbolic, but represents a great advance for International Law, for the following reasons.

First of all, it should be noted that the mass forced transfer of Ukrainian children to Russia demonstrates the Russian government’s plan to undermine the history and origin of the Ukrainian people by putting the children through a phase of acculturation.

It should also be noted that there is evidence of war crimes in Ukraine and that the protection of children, whether in times of peace or war, is a human rights imperative that cannot be relativized or even tolerated by the international community, which has international treaties and conventions to preserve their rights. 

Although the decision is apparently symbolic, an arrest warrant issued against a leader from the Global North is a great advance for a court considered to be young that has generally prosecuted and convicted leaders from the Global South.

Although Russia is not part of the ICC, the crimes were committed within Ukrainian territory, which accepted the ICC’s jurisdiction for crimes committed on its territory in eastern Ukraine in 2015. Considering that the current conflict has its origins in the Ukrainian Spring, the scene of the crimes committed from that year onwards, the object of Ukraine’s declaration of acceptance of the ICC’s jurisdiction, it is possible to state that there are grounds for the incidence of the ICC’s jurisdiction.

For the understanding of the case, it is possible to recall the precedent of the ICC Rohingya People’s Case, which discussed the grounds for the incidence of ICC jurisdiction for crimes committed in the territory of Myanmar, which is not part of the RE, but which continued to be perpetrated in the territory of Bangladesh, which is part of the RE.

 The analysis of the case was made by the Chair’s Coordinator, Prof. Claudia Loureiro (2021, p. 154) who pointed out thus:


To corroborate the thesis that the International Criminal Court can exercise universal jurisdiction in the case of the Rohingya People, the idea applies that, although the practice of the coercive acts of deportation occurred in the territory of a state that is not a party to the Rome Statute, at least one essential element for the characterization of the crime crossed the national border and generated effects in the territory of another country, Bangladesh, which is a party to the Rome Statute of 1988. 

Thus, by analogy, it can be said that the same grounds used for the Case of the Rohingya People can be used for the case of Ukraine. From this perspective, there would already be the possibility of the incidence of the ICC’s jurisdiction in the case of the Ukraine War. In addition, 43 states parties to the RE, on the basis of Article 14 of the document, have filed complaints with the Prosecutor about crimes committed on the territory of Ukraine since November 21, 2013, which motivated the investigation of the ICC Prosecutor’s Office.

For all the above, it is possible to state that the arrest warrant issued against Putin and his Commissioner has a strong impact on International Law and represents a breakthrough for the prevention and punishment of the most heinous crimes committed against humanity.

It is the beginning of the paradigm shift from the statocentric and hegemonic narrative, which rules the world and allows the degradation and violation of human rights, to a future more connected to the preservation of human rights and the interests of humanity.



REFERENCES

LOUREIRO, Claudia. A jurisdição universal do Tribunal Penal Internacional e o deslocamento forçado do Povo Rohingya: o caso Myanmar v. Bangladesh do TPI. Revista Direito, Estado e Sociedade, n. 59, p. 145-171, 2021. Disponível em https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/1410/699. Acesso em: 3 ab. de 2023.

BIAZATTI, Bruno de Oliveira. Tribunal Penal Internacional emite mandado de prisão contra Vladimir Putin. International Law Agendas. ILA-Brasil. Disponível em http://ila-brasil.org.br/blog/tribunal-penal-internacional-emite-mandado-de-prisao-contra-vladimir-putin/. Acesso em: 3 ab. 2023.

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