CÁTEDRA JEAN MONNET/UFU
COORDENAÇÃO: PROFA. Dra. CLAUDIA LOUREIRO
ORGANIZAÇÃO: Ma. MARCELA BREY
NEWSLETTER OUTUBRO/2023
SEÇÃO 1: PRINCIPAIS JULGAMENTOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
EIXO CIDADANIA GLOBAL
- Reintrodução dos controles nas fronteiras internas: a Diretiva “Regresso” é aplicável a qualquer nacional de um país terceiro que tenha entrado no território de um Estado-Membro sem preencher as condições de entrada, permanência ou residência. (Acórdão do Tribunal de Justiça da União europeia no processo C-143/22)
Texto e tradução livre de Lucas Araujo Niemes, graduando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisador do Projeto Global Crossings da Universidade Federal de Uberlândia, Cátedra Jean Monnet – União Europeia.
A União Europeia, em sua política imigratória, considera um conjunto de normas comunitárias e sociais ao tratar questões de imigração em seu território. Com a Diretiva de Retorno, aprovada em 2008 pelo Parlamento Europeu, o direcionamento da imigração europeia visa o regresso voluntário de imigrantes ilegais, além de estabelecer normas referentes à interdição e garantias processuais. Representando um marco da cooperação dos Estados-Membros, o Acordo de Schengen é parte do Direito Comunitário da União Europeia, e dispõe da retirada de fronteiras interiores dos países membros, para uma ampliação das fronteiras externas, de forma a permitir uma liberdade de movimentação de pessoas em seu interior. Para além desta diretiva, é válido ressaltar a autonomia dos Estados na regulação migratória, em que há exigências para o que é considerado necessário em cada país na obtenção de vistos.
O Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (França) em 1 de março de 2022 (Processo C-143/22) traz a discussão essencial ao questionar se um Estado-Membro, ao optar por implementar controles nas fronteiras internas de acordo com as regras estabelecidas pelo Código das Fronteiras Schengen, é obrigado a seguir as disposições da Diretiva 2008/115 ou se tem a opção de utilizar o Artigo 14 deste código para tomar uma decisão de recusa de entrada em relação a um cidadão de um país terceiro. O Artigo 14 do Código das Fronteiras Schengen estabelece as exigências e procedimentos em relação à recusa de entrada de nacionais de países terceiros, e abrange a qualificação para recusa da entrada, as decisões fundamentadas pelas razões específicas emitidas por autoridade competente na legislação nacional, assegurando, também, o direito de recurso as pessoas a quem a entrada foi recusada têm o direito de recorrer da decisão, de acordo com o direito nacional. Em conclusões ao Processo C‑143/22, o Advogado-Geral Athanasios Rantos reforça deliberações sobre os Direitos da União, abordando as aplicabilidades das diretivas acima mencionada, e propôs ao Tribunal de Justiça que as disposições da diretiva 2008/115 são aplicáveis à reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas, enquanto o artigo 14.o do Código das Fronteiras Schengen não se aplica, com base em própria opinião, do raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça nos processos que deram origem aos Acórdãos Affum e Arib.
Publicado em 21 de setembro de 2023, o Acordão do Tribunal de Justiça do Processo C‑143/22, delimita temas como Espaço de liberdade, segurança e justiça — Controlo nas fronteiras, asilo e imigração — Reintrodução temporária por um Estado‑Membro do controlo nas suas fronteiras internas — Decisão de recusa de entrada — Equiparação das fronteiras internas às fronteiras externa. Ainda, salienta as contribuições da análise do advogado-geral, e se alinha às conclusões sobre o artigo 2. °, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/115 não autoriza um Estado‑Membro que tenha reintroduzido controlos nas suas fronteiras internas a introduzir derrogações às normas e aos procedimentos comuns previstos nesta diretiva, de forma a interceptar um nacional de país terceiro, sem visto de residência, que tenha sido abordado em controle de fronteiras, situados no território desse Estado‑Membro e onde sejam efetuados esses pontos de controle. Por fim, a decisão final do documento orienta que os casos devem ser julgados pelos fundamentos do Tribunal de Justiça, e que devem ser interpretados no sentido de que quando um Estado-Membro reintroduz controles em suas fronteiras internas, ele pode adotar, em relação a um nacional de país terceiro que se apresenta em um ponto de cruzamento de fronteira autorizado localizado em seu território e onde tais controles são realizados, uma decisão de recusa de entrada, por força de uma aplicação mutatis mutandis do Artigo 14 desse regulamento, desde que a esse nacional sejam aplicadas as normas e os procedimentos comuns previstos nesta diretiva com vista ao seu afastamento.
REFERÊNCIAS
CASTELOS, Montserrat Abad. La política de inmigración en la Unión Europea. In: CANLE, Inês C. Iglesias. (Org.). Inmigración y Derecho. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2006.
DE ALMEIDA LEITE, Rodrigo. Os paradoxos do tratamento da imigração ilegal na União Europeia frente à Diretiva de Retorno. Revista Espaço Acadêmico, v. 9, n. 108, p. 61-70, 2010.
SILVA, João Carlos Jarochinski. A Diretiva Europeia de Retorno. TRAVESSIA-revista do migrante, n. 64, p. 63-80, 2009.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPÉIA. Acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-143/22. Luxemburgo: Direção de Comunicação, 2023. Disponível em: https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=1778F407666C26CE51F266AD275B54DD?text=&docid=277630&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=3172477. Acesso em: 24 out. 2023.
Versão em Inglês
SECTION 1: MAIN JUDGMENTS OF THE COURT OF JUSTICE OF THE EUROPEAN UNION
AXIS: GLOBAL CITIZENSHIP
- KEY JUDGMENTS OF THE COURT OF JUSTICE OF THE EUROPEAN UNION
Text and free translation by Lucas Araujo Niemes, undergraduate in International Relations, Pontifical Catholic University of São Paulo. Researcher of the Global Crossings Project at the Federal University of Uberlândia, Jean Monnet Chair – European Union.
The European Union, in its immigration policy, considers a set of community and social norms when addressing immigration issues within its territory. With the Return Directive, approved in 2008 by the European Parliament, the direction of European immigration policy aims at the voluntary return of illegal immigrants, while also establishing norms regarding detention and procedural guarantees. Representing a milestone in the cooperation among Member States, the Schengen Agreement is part of the European Union’s Community Law, allowing for the removal of internal borders among member countries, thereby enabling the free movement of people within its territory. In addition to this directive, it is worth highlighting the autonomy of States in regulating immigration, with each country having specific requirements for visa issuance.
The preliminary ruling requested by the Conseil d’État (France) on March 1st, 2022 (Case C-143/22) raises a fundamental question: whether a Member State, when choosing to implement controls at its internal borders in accordance with the rules established by the Schengen Borders Code, is obliged to follow the provisions of Directive 2008/115 or has the option to use Article 14 of this code to make a decision to refuse entry to a third-country national. Article 14 of the Schengen Borders Code establishes the requirements and procedures regarding the refusal of entry to third-country nationals, covering the qualification for entry refusal, decisions based on specific reasons issued by a competent authority in national legislation, and ensuring the right to appeal. Individuals to whom entry is denied have the right to appeal the decision in accordance with national law. In the conclusions of Case C‑143/22, Advocate General Athanasios Rantos reinforces deliberations on EU rights, addressing the applicability of the aforementioned directives, and proposed to the Court of Justice that the provisions of Directive 2008/115 apply to the temporary reintroduction of controls at internal borders, while Article 14 of the Schengen Borders Code does not apply, based on the reasoning followed by the Court of Justice in the cases that led to the Affum and Arib judgments.
Published on September 21st, 2023, the Judgment of the Court of Justice in Case C‑143/22 addresses themes such as the Area of Freedom, Security, and Justice – Border Control, Asylum, and Immigration – Temporary reintroduction by a Member State of controls at its internal borders – Entry refusal decision – Equating internal borders with external borders. It also highlights the contributions of the Advocate General’s analysis and aligns with the conclusions regarding Article 2(2)(a) of Directive 2008/115, which does not allow a Member State that has reintroduced controls at its internal borders to introduce exceptions to the common standards and procedures provided in this directive to intercept a third-country national, without a residence permit, who has been encountered at border controls located on the territory of that Member State. In conclusion, the final decision of the document guides that cases should be judged according to the foundations of the Court of Justice and should be interpreted to mean that when a Member State reintroduces controls at its internal borders, it can adopt a decision to refuse entry, by virtue of a mutatis mutandis application of Article 14 of this regulation, provided that the common standards and procedures laid down in this directive are applied to that national with a view to their removal.
REFERENCES:
CASTELOS, Montserrat Abad. La política de inmigración en la Unión Europea. In: CANLE, Inês C. Iglesias. (Org.). Inmigración y Derecho. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2006.
DE ALMEIDA LEITE, Rodrigo. Os paradoxos do tratamento da imigração ilegal na União Europeia frente à Diretiva de Retorno. Revista Espaço Acadêmico, v. 9, n. 108, p. 61-70, 2010.
SILVA, João Carlos Jarochinski. A Diretiva Europeia de Retorno. TRAVESSIA-revista do migrante, n. 64, p. 63-80, 2009.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPÉIA. Acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-143/22. Luxemburgo: Direção de Comunicação, 2023. Retrieved from: https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=1778F407666C26CE51F266AD275B54DD?text=&docid=277630&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=3172477. Accessed on: Oct. 24, 2023.
SEÇÃO 2: CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS – PRINCIPAIS JULGADOS
EIXO: MUDANÇAS CLIMÁTICAS E ECOCÍDIO
- Caso Duarte Agostinho and Others v. Portugal and Others (communicated case) – 39371/20
Texto de Valéria Emília de Aquino, Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Goiás, Brasil e bolsista-sanduíche CAPES pela Universidade de Florença, Itália. Pesquisadora do Projeto Global Crossings da Universidade Federal de Uberlândia, Cátedra Jean Monnet – União Europeia.
No dia 27 de Setembro de 2023, em Strasbourg, ocorreu o julgamento do Caso Duarte Agostinho e outros vs. Portugal e 32 outros Estados (Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, República Checa, Alemanha, Grécia, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Croácia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letônia, Malta, Holanda, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Noruega, Suécia, Rússia, Suíça, Turquia, Ucrânia e Reino Unido) perante a Corte Europeia de Direitos Humanos. O caso em questão é pioneiro, ao questionar a responsabilidade dos Estados europeus no que diz respeito às políticas e ações climáticas, e os requerentes alegam que estes Estados não cumpriram com suas obrigações, em matéria de direitos humanos, ao não adotarem reduções de emissões compatíveis com a meta de 1,5ºC, nos termos do Acordo de Paris.
Os seis jovens europeus apresentaram o caso à Corte em 2020, em virtude dos incêndios florestais e ondas de calor em Portugal em 2017, que afetaram sua saúde e bem-estar. No caso, os jovens apontam que os Estados europeus falharam em adotar metas mais ambiciosas e precisas no que diz respeito à redução das emissões de gases de efeito estufa, o que acabou violando os artigos 2, 8 e 14 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, respectivamente o direito à vida, privacidade, e ao direito de não sofrer discriminação.
Entre as alegações de defesa dos Estados, estão as de que os requerentes não satisfazem as condições de vítima, além do não esgotamento dos recursos internos (em Portugal), bem como mencionaram a dificuldade de precisar as fontes, e, sobretudo, a margem de discricionariedade dos Estados, que permite certa flexibilidade em adotar as metas de redução de emissões. Outrossim, os Estados também apresentaram, em sua defesa, a falta de provas que comprovem os danos sofridos pelos requerentes.
A audiência durou quase cinco horas, e o caso ainda aguarda sentença, mas teve a participação de diversos amicus curiae, entre eles: Center for International Environmental Law (CIEL), Greenpeace, Save the Children, Anistia Internacional, Climate Action Network, ESCR-Net e outros. Por fim, importante destacar que o caso em questão soma-se aos casos Carême v. França, e Verein Klimaseniorinnen Schweiz e outros vs. Suíça, no que diz respeito aos casos de litigância climática perante a Corte.
REFERÊNCIAS:
ECHR. Duarte Agostinho and Others v. Portugal and 32 Others (no. 39371/20), Grand Chamber hearing – 27 September 2023. Disponível em: https://www.echr.coe.int/w/duarte-agostinho-and-others-v-portugal-and-others-no-39371/20-. Acessado em: 18 out. 2023.
CLIMATE CASE CHART. Duarte Agostinho and Others v. Portugal and 32 Other States. Disponível em: https://climatecasechart.com/non-us-case/youth-for-climate-justice-v-austria-et-al/. Acessado em: 18 out. 2023.
Versão em Inglês
SECTION 2: EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS – MAIN JUDGMENTS
AXIS: CLIMATE CHANGE AND ECOCIDIUM
- Case Duarte Agostinho and Others v. Portugal and Others (communicated case) – 39371/20
Text Valéria Emília de Aquino, Ph.D. Student, Human Rights, Law School, University Federal of Goias, Brazil and CAPES scholarship, Brazil/ University of Florence, Italy, and free translation by Marcela Bittencourt Brey, master’s degree in Human Rights from the Law School of University of São Paulo (USP). Researchers of the Global Crossings Project at the Federal University of Uberlândia, Jean Monnet Chair – European Union.
On September 27, 2023, in Strasbourg, the trial of the Case of Duarte Agostinho and others vs. Portugal and 32 other States (Austria, Belgium, Bulgaria, Cyprus, Czech Republic, Germany, Greece, Denmark, Estonia, Finland, France, Croatia, Hungary, Ireland, Italy, Lithuania, Luxembourg, Latvia, Malta, Netherlands, Poland, Portugal , Romania, Slovakia, Slovenia, Spain, Sweden, Norway, Sweden, Russia, Switzerland, Turkey, Ukraine and the United Kingdom) before the European Court of Human Rights. The case in question is pioneering, as it questions the responsibility of European States with regard to climate policies and actions, and the applicants allege that these States have not complied with their human rights obligations by not adopting compatible emission reductions. with the target of 1.5ºC, under the terms of the Paris Agreement.
The six young Europeans presented their case to the Court in 2020, due to the forest fires and heat waves in Portugal in 2017, which affected their health and well-being. In this case, young people point out that European States failed to adopt more ambitious and precise targets with regard to reducing greenhouse gas emissions, which ended up violating articles 2, 8 and 14 of the European Convention on Human Rights, respectively the right to life, privacy, and the right not to suffer discrimination.
Among the States’ defense allegations are that the applicants do not meet the conditions of being victims, in addition to the failure to exhaust internal resources (in Portugal), as well as mentioning the difficulty of specifying the sources, and, above all, the margin of States’ discretion, which allows certain flexibility in adopting emission reduction targets. Furthermore, the States also presented, in their defense, the lack of evidence proving the damages suffered by the applicants.
The hearing lasted almost five hours, and the case is still awaiting ruling, but it was attended by several amicus curiae, including: Center for International Environmental Law (CIEL), Greenpeace, Save the Children, Amnesty International, Climate Action Network, ESCR- Net and others. Finally, it is important to highlight that the case in question joins the cases of Carême v. France, and Verein Klimaseniorinnen Schweiz and others vs. Switzerland, with regard to climate litigation cases before the Court.
REFERENCES
ECHR. Duarte Agostinho and Others v. Portugal and 32 Others (no. 39371/20), Grand Chamber hearing – 27 September 2023. Retrieved from: https://www.echr.coe.int/w/duarte-agostinho-and-others-v-portugal-and-others-no-39371/20-. Accessed on: Oct. 18, 2023.
CLIMATE CASE CHART. Duarte Agostinho and Others v. Portugal and 32 Other States. Retrieved from: https://climatecasechart.com/non-us-case/youth-for-climate-justice-v-austria-et-al/. Accessed on: Oct. 18, 2023.
SEÇÃO 3: CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
EIXO: TRANSHUMANIDADE
Alegações de genocídio no âmbito da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (Ucrânia v. Federação Russa: intervenção de 32 Estados)
Texto e tradução livre de Roberta Soeiro de Moraes Souza, especialista em Negociações Internacionais, pelo Programa San Tiago Dantas, bacharela em Relações Internacionais, pelas Faculdades Integradas Rio Branco e em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisadora da do Projeto Global Crossings da Universidade Federal de Uberlândia, Cátedra Jean Monnet – União Europeia.
A Convenção para a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio (‘Convenção do Genocídio’) fora adotada pela Assembleia das Nações Unidas, a partir de 1948, após o Holocausto e a Segunda Grande Guerra. Trata-se de um tratado internacional, responsável por engendrar arcabouço legal acerca de genocídio, perante a comunidade internacional, atribuindo um compromisso aos Estados a prevenirem e punirem essa prática do “mais hediondo dos crimes”, segundo secretário-geral da ONU António Guterres.
O termo genocídio fora incorporado à jurisprudência Direito Internacional, pelo jurista polonês Raphael Lemkin, diante dos crimes cometidos pelos nazistas, tornando-se, um dos principais defensores da Convenção do Genocídio, a fim de salvaguardar uma nação ou grupo étnico, perante um plano coordenado, em diversas ações, direcionadas a eliminação de fundamentos essenciais da vida de grupos nacionais, tendo-se em vista que membros de uma nação ou grupo nacional seriam observados, enquanto uma entidade social.
Assim, torna-se imperativo o compromisso internacional para a prevenção do genocídio, norteados pelos princípios da igualdade e da dignidade humana.
Além da Convenção de Genocídio, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) tem jurisdição para julgar casos de genocídio, principal órgão judiciário das Nações Unidas, desempenhando um relevante papel de aplicação do direito internacional relacionado a esse crime.
Em uma audiência realizada, em 27 de setembro de 2023, em Haia, envolvendo uma segunda rodada de sustentação oral, em defesa da Ucrânia, cujo representante foi o professor Dr. Harold Hongju Koh, a comunidade internacional vê-se diante de possíveis crimes, relacionados ao genocídio.
Em seu discurso, o representante da Ucrânia assinala que a ação militar russa contra a Ucrânia se realizou sob a alegação de pôr fim a um genocídio nas regiões de Donetsk e Luhansk, e levar os responsáveis a julgamento, desse modo, a Ucrânia estaria cometendo violações à Convenção sobre Genocídio de 1948, que a obrigaria a agir, para “prevenir e punir”, de acordo com os artigos I e IV da referida Convenção.
Dr. Koh afere que há, portanto, uma disputa, não só jurídica, mas fática, acerca da interpretação, aplicação e cumprimento da Convenção sobre Genocídio. Alega, também, que a Rússia abusou sistematicamente da Convenção, ao tomar várias ações unilaterais, incluindo o reconhecimento de repúblicas separatistas, invasão da Ucrânia e brutalização de sua população. Ademais, argumenta que, desde o início, houve um desacordo sobre uma questão de direito ou de fato, conferindo jurisdição à Corte.
O representante da Ucrânia também refuta as alegações da Rússia de que o litígio não diz respeito à Convenção, mas sim à legalidade do uso da força, com base na Carta das Nações Unidas e no direito internacional consuetudinário.
Ele argumenta que a Rússia forjou uma dicotomia artificial entre uso da força e a Convenção sobre o Genocídio, destacando que o uso da força pela Rússia está diretamente relacionado à alegação de genocídio, colocando-a no âmbito da Convenção.
Além disso, ele refuta a distinção feita pela Rússia entre violações da Convenção e o dever de agir de boa-fé, argumentando que o dever de agir de boa-fé está relacionado ao cumprimento das obrigações da Convenção e não está fora dela.
O representante da Ucrânia também sustenta que o CIJ pode considerar outras fontes de direito internacional para determinar se a Rússia agiu ilegalmente sob a Convenção do Genocídio, incluindo o uso da força como agressão, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra. Ou seja, a Ucrânia nega veementemente essas afirmações, assim como alega que a Rússia está usando falsos pretextos para justificar suas ações militares.
Quanto às controvérsias entre os Estados, acerca da interpretação, aplicação e cumprimento do art. IX da Convenção de Genocídio serão submetidas à Corte Internacional de Justiça a pedido de uma das partes na controvérsia.
Portanto, a Corte Internacional de Justiça tem jurisdição sobre a disputa entre a Ucrânia e a Rússia, já que a amplitude desse artigo não cobre apenas violações diretas, mas também abusos, interpretações errôneas, aplicações impróprias, bem como, o descumprimento da Convenção referente ao genocídio.
A teoria jurídica da Rússia portanto não teria fundamentos sólidos, distorcendo o texto legal e a interpretação da Convenção, ao tentar excluir a jurisdição da Corte, com base em falsas dicotomias, relacionadas ao uso da força e à própria Convenção.
Ademais, o representante da Ucrânia defende a existência de um litígio legítimo, em torno da alegação de genocídio e à Convenção sobre esse tema, em contrapartida, a Rússia tenta negar inclusive a existência dessa disputa, citando o art. 51 da Carta das Nações Unidas, como justificativa para suas ações, segundo a qual, nada prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ataque armado contra um membro da ONU, até que o Conselho de segurança tome medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais, sendo que após uma comunicação imediata ao Conselho, não deverão atingir a autoridade e responsabilidade que a Carta atribuiu ao Conselho, para levar a efeito a ação que julgar necessária à manutenção da paz e segurança internacionais.
No entanto, a Ucrânia sustenta que as ações da Rússia e suas alegações de genocídio comprovam a existência dessa disputa, além de não apresentar provas concretas, que refutem a conclusão inicial do tribunal, justamente de que há litígio entre as partes.
E por isso, a Ucrânia requer ao tribunal que rejeite as objeções preliminares da Rússia e agende uma audiência sobre o mérito do caso. O discurso defende assim que a Rússia não pode negar a existência do litígio, mesmo que ambas as partes supostamente concordam em alguns pontos legais e que a referência ao art. 51 da Carta da ONU não anula a disputa relacionada à Convenção do Genocídio.
Em suma, tal defesa ucraniana faz parte de um processo legal em que o país busca intervenção da Corte Internacional de Justiça, para resolver a questão da invasão russa, considerada ilegal, à luz do Direito Internacional, bem como o seu alegado genocídio, cabendo a interpretação e decisão final caberiam ao tribunal que está analisando o caso em questão.
A Corte reconheceu que o questionamento ucraniano é legítimo e poderia analisar procedimentalmente possíveis medidas provisórias, requisitadas pela Ucrânia e reconheceu a iminente possibilidade da existência de violação da Convenção de 1948, por parte da Rússia, referente à sua fundamentação da invasão, atestando a plausibilidade do pedido ucraniano de ausência probatória de crime praticado pela Ucrânia contra a humanidade, e requerendo o fim imediato das ações russas, assim como outorgando medidas provisórias para a Ucrânia, provendo respaldo legal ao pleito ucraniano a outras possíveis violações.
Apesar desse contexto, a Rússia não compareceu às audiências, comprometendo ainda mais o cumprimento de qualquer medida que produza sanção, ao descumprimento à Corte.
Por fim, assinala-se que tanto a Ucrânia, quanto à Rússia são signatários da Convenção de Genocídio, e assim como enfatizado no tribunal da ONU, esse tratado não permite uma invasão, com o intuito de prevenir um genocídio.
REFERÊNCIAS
CIJ. Ukraine v. Russian Federation – Public Sitting – in the case concerning Allegations of Genocide under the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (Ukraine v. Russian Federation: 32 States intervening). Disponível em: https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/182/182-20230927-ora-01-00-bi.pdf . Acesso em: 19 out. 2023.
CIJ. Ukraine v. Russian Federation. Provisional Measures – Declaration of Judge Xue. 16/3/2022, para. 2-4. Disponível em: https://www.icj-cij.org/en/case/182. Acesso em: 19 out. 2023.
ORTIZ, Rosalvo, I. O genocídio na ótica do jurista polonês Raphael Lemkin: (re)visão histórica e Contemporânea. 02/07/2020. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-genocidio-na-otica-do-jurista-polones-raphael-lemkin-re-visao-historica-e-contemporanea. Acesso em: 19 out. 2023.
Versão em Inglês
SECTION 3: INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE
AXIS: TRANSHUMANITY
- Ukraine vs Russian Federation conflict in focus: allegations of genocide within the framework of the Convention on the Prevention and punishment of the crime of genocide.
Text and translation by Roberta Soeiro de Moraes Souza, International Negotiations Specialist, San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP), Bachelor in International Relations, Faculdades Integradas Rio Branco and Bachelor of Law, Mackenzie Presbyterian University. Researcher of the Global Crossings Project at the Federal University of Uberlândia, Jean Monnet Chair – European Union
The Convention for the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (‘Genocide Convention’) was adopted by the United Nations Assembly in 1948, after the Holocaust and the Second World War. It is an international treaty, responsible for creating a legal framework regarding genocide, before the international community, giving a commitment to States to prevent and punish this practice of “the most heinous of crimes”, according to UN Secretary-General António Guterres.
The term genocide was incorporated into International Law jurisprudence, by the Polish jurist Raphael Lemkin, in the face of the crimes committed by the Nazis, becoming one of the main defenders of the Genocide Convention, in order to safeguard a nation or ethnic group, in the face of a coordinated plan , in several actions, aimed at eliminating essential foundations of the life of national groups, considering that members of a nation or national group would be observed, as a social entity.
Therefore, an international commitment to preventing genocide, guided by the principles of equality and human dignity, becomes imperative.
In addition to the Genocide Convention, the International Court of Justice (ICJ) has jurisdiction to judge cases of genocide, the main judicial body of the United Nations, playing an important role in applying international law related to this crime.
The term genocide was incorporated into International Law jurisprudence, by the Polish jurist Raphael Lemkin, in the face of the crimes committed by the Nazis, becoming one of the main defenders of the Genocide Convention, in order to safeguard a nation or ethnic group, in the face of a coordinated plan , in several actions, aimed at eliminating essential foundations of the life of national groups, considering that members of a nation or national group would be observed, as a social entity.
Therefore, an international commitment to preventing genocide, guided by the principles of equality and human dignity, becomes imperative.
In addition to the Genocide Convention, the International Court of Justice (ICJ) has jurisdiction to judge cases of genocide, the main judicial body of the United Nations, playing an important role in applying international law related to this crime.
At a hearing held on September 27, 2023, in The Hague, involving a second round of oral arguments in defense of Ukraine, whose representative was Professor Dr. Harold Hongju Koh, the international community saw facing possible crimes related to genocide.
In his speech, the representative of Ukraine points out that the Russian military action against Ukraine was carried out under the allegation of putting an end to a genocide in the regions of Donetsk and Luhansk, and bringing those responsible to trial, in this way, Ukraine would be committing violations to the 1948 Genocide Convention, which would oblige it to act, to “prevent and punish”, in accordance with articles I and IV of the aforementioned Convention.
Dr. Koh states that there is, therefore, a dispute, not only legal, but factual, regarding the interpretation, application and enforcement of the Genocide Convention. He also alleges that Russia systematically abused the Convention by taking several unilateral actions, including recognizing separatist republics, invading Ukraine and brutalizing its population. Furthermore, he argues that, from the beginning, there was a disagreement on a question of law or fact, conferring jurisdiction on the Court.
Ukraine’s representative also refutes Russia’s claims that the dispute does not concern the Convention, but rather the legality of the use of force, based on the United Nations Charter and customary international law.
He argues that Russia has forged an artificial dichotomy between use of force and the Genocide Convention, highlighting that Russia’s use of force is directly related to the allegation of genocide, placing it within the scope of the Convention.
Furthermore, he refutes the distinction made by Russia between violations of the Convention and the duty to act in good faith, arguing that the duty to act in good faith is related to the fulfillment of obligations under the Convention and is not outside it.
Ukraine’s representative also maintains that the ICJ can consider other sources of international law to determine whether Russia acted illegally under the Genocide Convention, including the use of force as aggression, crimes against humanity or war crimes. In other words, Ukraine vehemently denies these statements, as well as claiming that Russia is using false pretexts to justify its military actions.
Regarding controversies between States, regarding the interpretation, application and compliance with art. IX of the Genocide Convention will be submitted to the International Court of Justice at the request of one of the parties to the controversy.
Therefore, the International Court of Justice has jurisdiction over the dispute between Ukraine and Russia, as the breadth of this article not only covers direct violations, but also abuses, erroneous interpretations, improper applications, as well as non-compliance with the Convention relating to genocide.
Russia’s legal theory would therefore not have solid foundations, distorting the legal text and interpretation of the Convention, by trying to exclude the Court’s jurisdiction, based on false dichotomies, related to the use of force and the Convention itself.
Furthermore, the representative of Ukraine defends the existence of a legitimate dispute, surrounding the allegation of genocide and the Convention on this topic, on the other hand, Russia even tries to deny the existence of this dispute, citing art. 51 of the Charter of the United Nations, as justification for its actions, according to which, nothing shall prejudice the inherent right of individual or collective self-defense, in the case of an armed attack against a member of the UN, until the Security Council takes necessary measures to the maintenance of international peace and security, and after immediate communication to the Council, they should not achieve the authority and responsibility that the Charter attributed to the Council, to carry out the action it deems necessary to maintain international peace and security.
However, Ukraine maintains that Russia’s actions and its allegations of genocide prove the existence of this dispute, in addition to not presenting concrete evidence that refutes the court’s initial conclusion, precisely that there is a dispute between the parties.
Therefore, Ukraine requests the court to reject Russia’s preliminary objections and schedule a hearing on the merits of the case. The speech thus argues that Russia cannot deny the existence of the dispute, even if both parties supposedly agree on some legal points and that the reference to art. 51 of the UN Charter does not nullify the dispute related to the Genocide Convention.
In short, this Ukrainian defense is part of a legal process in which the country seeks intervention from the International Court of Justice, to resolve the issue of the Russian invasion, considered illegal, in the light of International Law, as well as its alleged genocide, and it is up to interpretation and final decision would be up to the court that is analyzing the case in question.
The Court recognized that the Ukrainian questioning is legitimate and could procedurally analyze possible provisional measures, requested by Ukraine and recognized the imminent possibility of the existence of a violation of the 1948 Convention, on the part of Russia, regarding its justification for the invasion, attesting to the plausibility of the Ukrainian request for the absence of proof of a crime committed by Ukraine against humanity, and requesting the immediate end of Russian actions, as well as granting provisional measures to Ukraine, providing legal support to the Ukrainian claim for other possible violations.
Despite this context, Russia did not attend the hearings, further compromising compliance with any measure that results in sanctions for non-compliance with the Court.
Finally, it should be noted that both Ukraine and Russia are signatories to the Genocide Convention, and as emphasized in the UN court, this treaty does not allow an invasion, with the aim of preventing genocide.
REFERENCES
CIJ. Ukraine v. Russian Federation – Public Sitting – in the case concerning Allegations of Genocide under the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (Ukraine v. Russian Federation: 32 States intervening). Retrieved from: https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/182/182-20230927-ora-01-00-bi.pdf. Accessed on: Oct. 19, 2023.
CIJ. Ukraine v. Russian Federation. Provisional Measures – Declaration of Judge Xue. 16/3/2022, para. 2-4. Retrieved from: https://www.icj-cij.org/en/case/182. Accessed on: Oct. 19, 2023.
ORTIZ, Rosalvo, I. O genocídio na ótica do jurista polonês Raphael Lemkin: (re)visão histórica e Contemporânea. 02/07/2020. Retrieved from: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-genocidio-na-otica-do-jurista-polones-raphael-lemkin-re-visao-historica-e-contemporanea. Accessed on: Oct. 19, 2023.
SEÇÃO 4: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
EIXO: CIDADANIA GLOBAL
- A condição jurídica e os direitos dos migrantes indocumentados
Texto e tradução livre de Andressa Gabriela de Lima Pimenta – Discente em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia, voluntária na ONG Taare (Trabalho de Apoio a Migrantes Internacionais) e Pesquisadora do Projeto Global Crossings, da Universidade Federal de Uberlândia, Cátedra Jean Monnet – União Europeia
No ano de 2003, em 17 de setembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) emitiu uma Opinião Consultiva (OC), n. 18/03, a pedido dos Estados Mexicanos. Nesta ocasião, foi discutida a condição legal e os direitos dos migrantes indocumentados, levantando ainda questões que foram postas pelo país solicitante, além de explorar os efeitos e aplicações de princípios fundamentais no contexto de migração, oferecendo orientações sobre como os Estados devem tratar os migrantes indocumentados de acordo com os princípios de direitos humanos.
Dentre os princípios que a Corte IDH é incumbida de interpretar, dois se destacam nesta análise consultiva, sendo estes o princípio da igualdade e o princípio da não-discriminação. Foi a partir destes princípios, que a Corte enfatizou que quaisquer formas de tratamento discriminatório em relação aos migrantes, mesmo aqueles que se encontram em situação irregular, é expressamente proibida. Contudo, apesar da discriminação não ser permitida, a Corte interpreta a distinção como aceitável, se o tratamento for justificável, proporcional e fundamentado.
Esta diferença de conceitos, acontece no momento em que a discriminação possui características que violam e ameaçam os princípios de direitos humanos. Apesar da diferença dos conceitos, é importante destacar que a distinção não pode desviar-se da justiça ou da seleção racional, tampouco buscar objetivos arbitrários ou entrar em conflito com a unidade essencial e a dignidade da natureza humana.
Desta forma, ao levar em consideração o que a Corte IDH entende por migrantes indocumentados, entendemos que o termo se refere àqueles que não possuem as mesmas condições daqueles que se encontram de forma regular no país. Dito de outro modo, estes migrantes são postos em uma situação de extrema vulnerabilidade, uma vez que por não possuírem os documentos que regulamentam sua situação no país, acabam sofrendo com situações precárias, principalmente quando nos referimos à questão trabalhista.
Contudo, a Corte considera que mesmo em momentos em que os migrantes não possuem sua situação regulamentada, seus direitos não podem ser violados, além de ser proibida a possibilidade de discriminação e restrição de direitos, independentemente da situação do migrante, seja regular ou não. Assim, tanto na esfera pública, quanto privada, o Estado tem como responsabilidade prevenir, evitar e, quando necessário, resolver possíveis violações que possam acontecer envolvendo a situação destes migrantes.
Como destaca Silva (2023), a OC 18/03 destaca a necessidade de implementar medidas proativas para prevenir e combater a discriminação contra os migrantes indocumentados. Ela enfatiza que o Estado é responsável pela comunidade internacional se deixar de cumprir suas obrigações de proteger e garantir os Direitos Humanos. Os princípios de igualdade e não-discriminação são fundamentais nesse contexto, delineando a obrigação subjacente aos respeitos e à proteção dos Direitos Humanos.
Além disso, a opinião reitera que todo migrante, inclusive os indocumentados, deve ter assegurado o devido processo legal, sem que seu status migratório seja justificativa para exibição de seus Direitos Humanos. O Estado é chamado a garantir não apenas os Direitos Humanos, mas também os direitos laborais de todos, proibindo explicitamente a discriminação e garantindo aos trabalhadores os meios necessários para exercerem os seus direitos laborais, sem condicionar isso à implementação de políticas públicas. Estas diretrizes convergem para um chamado ao compromisso inequívoco dos Estados em proteger os direitos e a dignidade de todos os migrantes, independentemente de seu status legal.
No Brasil, a situação laboral em relação aos migrantes tem ganhado cada vez mais uma preocupação maior. De acordo com os dados fornecidos pela Lista Suja (cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo), os casos de trabalho análogo à escravidão envolvendo imigrantes dobrou no último ano. Tais condições, envolvem trabalho degradantes que incluem longas jornadas, condições de trabalho insuficientes, falta de condições de segurança e higiene, restrição de liberdade, dívida com os trabalhadores que impossibilitam o rompimento do ciclo de exploração, além de situações de violência física e psicológica.
REFERÊNCIAS
DE MORAIS, A. M.; GIESTA CABRAL, R. L.; SILVÉRIO DOS REIS, U. L. Trabalhador migrante indocumentado: condição jurídica no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Conhecer: debate entre o público e o privado, [S. l.], v. 9, n. 22, p. 79–107, 2019. DOI: 10.32335/2238-0426.2019.9.22.1024. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/revistaconhecer/article/view/1024. Acesso em: 16 out. 2023.
SILVA, G. M. A Opinião Consultiva n. 18/03 da Corte Interamericana: os direitos dos migrantes indocumentados. Disponível em: <https://nidh.com.br/opiniao-consultiva-n-o-13-93-as-atribuicoes-da-comissao-interamericana-de-direitos-humanos/> Acesso em: 16 out. 2023.
TROPASOLAS, P.. Brasil de Fato. Por que dobrou o número de trabalhadores imigrantes resgatados do trabalho escravo no Brasil?. [S.l.]. Instituto Humanitas – Unasinos, 2023. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/627371-por-que-dobrou-o-numero-de-trabalhadores-imigrantes-resgatados-do-trabalho-escravo-no-brasil. Acesso em: 17 out. 2023.
Versão em Inglês
AXIS: GLOBAL CITIZENSHIP
- The legal status and rights of undocumented migrants
Text and free translation by Andressa Gabriela de Lima Pimenta – Student in International Relations at the University of Uberlândia, volunteer at the NGO Taare (Trabalho de Apoio a Migrantes Internacionais) and), Researcher of the Global Crossings Project at the Federal University of Uberlândia, Jean Monnet Chair – European Union.
In 2003, on September 17, the Inter-American Court of Human Rights (IDH Court) issued an Advisory Opinion (AC), n. 18/03, at the request of the Mexican States. On this occasion, the legal status and rights of undocumented migrants were discussed, also raising questions that were raised by the requesting country, in addition to exploring the effects and applications of fundamental principles in the context of migration, offering guidance on how States should treat migrants undocumented people in accordance with human rights principles.
Among the principles that the Inter-American Court is responsible for interpreting, two stand out in this consultative analysis, these being the principle of equality and the principle of non-discrimination. It was based on these principles that the Court emphasized that any form of discriminatory treatment towards migrants, even those who are in an irregular situation, is expressly prohibited. However, although discrimination is not permitted, the Court interprets the distinction as acceptable if the treatment is justifiable, proportionate and well-founded.
This difference in concepts occurs at a time when discrimination has characteristics that violate and threaten human rights principles. Despite the difference in concepts, it is important to highlight that the distinction cannot deviate from justice or rational selection, nor pursue arbitrary objectives or conflict with the essential unity and dignity of human nature.
Therefore, when taking into consideration what the Inter-American Court understands as undocumented migrants, we understand that the term refers to those who do not have the same conditions as those who are regularly in the country. In other words, these migrants are placed in an extremely vulnerable situation, as they do not have the documents that regulate their situation in the country, suffering from precarious situations, especially when we refer to labor issues.
However, the Court considers that even at times when migrants do not have their status regulated, their rights cannot be violated, in addition to the possibility of discrimination and restriction of rights being prohibited, regardless of the migrant’s status, whether regular or not. Thus, both in the public and private spheres, the State has the responsibility to prevent, avoid and, when necessary, resolve possible violations that may occur involving the situation of these migrants.
As highlighted by Silva (2023), AC 18/03 highlights the need to implement proactive measures to prevent and combat discrimination against undocumented migrants. It emphasizes that the State is responsible to the international community if it fails to fulfill its obligations to protect and guarantee Human Rights. The principles of equality and non-discrimination are fundamental in this context, outlining the underlying obligation to respect and protect Human Rights.
Furthermore, the opinion reiterates that every migrant, including undocumented ones, must be assured of due legal process, without their status migration is justification for displaying their Human Rights. The State is called upon to guarantee not only Human Rights, but also the labor rights of all, explicitly prohibiting discrimination and guaranteeing workers the necessary means to exercise their labor rights, without making this conditional on the implementation of public policies. These guidelines converge into a call for States’ unequivocal commitment to protecting the rights and dignity of all migrants, regardless of their legal status.
In Brazil, the labor situation in relation to migrants has increasingly become a greater concern. According to data provided by the “Lista Suja” (registry of employers who have subjected workers to conditions analogous to slavery), the number of cases of slavery-like work involving immigrants has doubled in the last year. Such conditions involve degrading work that includes long hours, insufficient working conditions, lack of safety and hygiene conditions, restriction of freedom, debt owed to workers that make it impossible to break the cycle of exploitation, in addition to situations of physical and psychological violence.
REFERENCES
DE MORAIS, A. M.; GIESTA CABRAL, R. L.; SILVÉRIO DOS REIS, U. L. Trabalhador migrante indocumentado: condição jurídica no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Conhecer: debate entre o público e o privado, [S. l.], v. 9, no. 22, p. 79–107, 2019. DOI: 10.32335/2238-0426.2019.9.22.1024. Retrieved from:https://revistas.uece.br/index.php/revistaconhecimento/article/view/1024. Accessed on: Oct. 16, 2023.
SILVA, G. M. A Opinião Consultiva n. 18/03 da Corte Interamericana: os direitos dos migrantes indocumentados. Retrieved from: <https://nidh.com.br/opiniao-consultiva-n-o-13-93-as-atribuicoes-da-comissao-interamericana-de-direitos-humanos/> Accessed on: Oct. 16, 2023.
STROPASOLAS, P.. Brasil de Fato. Por que dobrou o número de trabalhadores imigrantes resgatados do trabalho escravo no Brasil?. [S.l.]. Instituto Humanitas – Unasinos, 2023. Available at: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/627371-por-que-dobrou-o-numero-de-trabalhodores-imigrantes-resgatados-do-trabalho-escravo- in Brazil. Accessed on: Oct. 17, 2023.
EIXO: TRANSHUMANIDADE
- Caso Poblete Vilches y otros vs. Chile (2018)
Texto de Pedro Lucchetti, Discente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Extensionista do Núcleo de Moot Courts e Pesquisador do projeto Global da Universidade Federal de Uberlândia, Cátedra Jean Monnet – União Europeia
No dia 8 de março de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu uma decisão unânime inovadora, na qual estabeleceu padrões inéditos em relação ao direito à saúde, tratando-o como um direito autônomo, dentro do âmbito dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA)(1), de acordo com a interpretação do Artigo 26 da Convenção. Além disso, a sentença abordou os direitos das pessoas idosas pela primeira vez em sua história.
Nessa sentença, foi afirmada a responsabilidade internacional do Estado chileno devido à sua falha em garantir o direito à saúde, sem discriminação, ao Sr. Vinicio Antonio Poblete Vilches. Isso ocorreu devido à falta de fornecimento de serviços de saúde básicos e urgentes, considerando sua situação particular de vulnerabilidade como pessoa idosa, o que infelizmente resultou em seu falecimento. Além disso, a Corte também destacou que o Estado infringiu o direito ao consentimento informado por substituição e o acesso à informação relacionada à saúde, prejudicando tanto o Sr. Poblete quanto seus familiares. Adicionalmente, a integridade pessoal dos familiares do Sr. Poblete foi afetada devido às ações do Estado, conforme declarado na decisão.
Neste caso específico, o Sr. Poblete Vilches foi internado duas vezes no Hospital Público Sótero del Río. Na primeira admissão, ele passou por uma intervenção sem o consentimento de seus familiares e teve alta prematura. Na segunda admissão, ele não recebeu os cuidados necessários, como um respirador mecânico, e acabou falecendo. Isso resultou na responsabilidade internacional do Estado chileno por não garantir o direito à saúde do Sr. Poblete Vilches, dado seu estado de vulnerabilidade como pessoa idosa, culminando em sua morte. Quanto às investigações relacionadas à morte do Sr. Poblete Vilches e à busca por responsabilidades legais, a família apresentou denúncias criminais em 2001 e 2005. O caso foi arquivado e reaberto várias vezes, mas até o momento, ninguém foi responsabilizado legalmente.
Na análise do mérito, a Corte reiterou a justiciabilidade do artigo 26 da Convenção embasando-se no precedente de Lagos del Campo Vs. Peru(2) rememorando que há interdependência entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, pois eles devem ser entendidos de forma integral e holística como direitos humanos.
A Corte destacou a importância de abordar os direitos das pessoas idosas, especialmente em relação à saúde, pela primeira vez. O tribunal enfatizou a necessidade de reconhecer as pessoas idosas como detentoras de direitos especiais, incluindo cuidados abrangentes, respeito à autonomia e independência.
A Corte argumentou que, para esse grupo vulnerável, existe uma obrigação reforçada de garantir o direito à saúde, o que implica fornecer serviços de saúde necessários de maneira eficaz e contínua. O não cumprimento dessa obrigação ocorre quando o acesso à saúde é negado ou sua proteção não é assegurada, o que pode resultar na violação de outros direitos. Além disso, a Corte determinou que a idade é uma categoria protegida pela Convenção Americana, proibindo a discriminação relacionada à idade, incluindo a necessidade de políticas inclusivas para toda a população e fácil acesso aos serviços públicos, entre outras medidas.
Em síntese, a Corte determinou que o Estado chileno é internacionalmente responsável pela falta de garantia dos direitos do Sr. Poblete Vilches à saúde, vida, integridade pessoal, liberdade, dignidade e acesso à informação, de acordo com vários artigos da Convenção Americana. Além disso, o Estado foi considerado responsável pela violação desses direitos em relação aos familiares do Sr. Poblete Vilches. Em relação ao direito à integridade pessoal dos familiares, a Corte considerou que o Estado também foi responsável pelas consequências negativas que afetaram a família. Além disso, a Corte concluiu que o acesso à justiça disponibilizado pelo Estado foi inadequado devido a graves atrasos e omissões, violando os artigos relacionados ao direito de acesso à justiça na Convenção Americana.
Por fim, a Corte Interamericana determinou várias medidas de reparação em relação ao caso. Isso incluiu medidas de satisfação, como a publicação da sentença é um ato público de reconhecimento de responsabilidade pelo Estado. Medidas de reabilitação, como assistência médica e psicológica para as vítimas, também foram ordenadas. Para prevenir futuras violações, o Estado deve implementar programas de educação em direitos humanos, relatar ao Tribunal sobre o progresso no hospital de referência, fortalecer o Instituto Nacional de Geriatria e sua presença nas instalações hospitalares, desenvolver uma publicação explicando os direitos das pessoas idosas em relação à saúde e criar uma política geral de proteção para pessoas idosas. Além disso, medidas de compensação compensatória, incluindo pagamentos por danos materiais e morais, também foram ordenadas. A Corte Interamericana supervisionará o cumprimento dessas medidas e encerrará o caso somente quando o Estado tiver cumprido plenamente as disposições da sentença.
NOTAS E REFERÊNCIAS
- RIGOTTO. R. Desenvolvimento, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Sarlet, I. W., & Fensterseifer, T. (2010). Direito à saúde e proteção do ambiente na perspectiva de uma tutela jurídicoconstitucional integrada dos direitos fundamentais socioambientais (DESCA). BIS. Boletim Do Instituto De Saúde, 12(3), 248–253. https://doi.org/10.52753/bis.2010.v12.33760
(2) CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentencia CASO POBLETE VILCHES Y OTROS VS. CHILE (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). 8 de março de 2018. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_349_esp.pdf. Acesso em: 17 out. 2023
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentencia Caso Lagos Del Campo vs. Perú (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). 31 de agosto de 2017. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_340_esp.pdf. Acesso em: 17 out. 2023.
versão em inglês
- Case Poblete Vilches and others vs. Chile (2018)
Text by Pedro Lucchetti, Student at the Federal University of Uberlândia (UFU). Extensionist at the Moot Courts Center and free translation by Marcela Bittencourt Brey, Msc. University of São Paulo. Researchers of the Global project at the Federal University of Uberlândia, Jean Monnet Chair – European Union.
On March 8, 2018, the Inter-American Court of Human Rights handed down an innovative unanimous decision, in which it established unprecedented standards in relation to the right to health, treating it as an autonomous right, within the scope of economic, social, cultural rights and environmental (DESCA)(1), in accordance with the interpretation of Article 26 of the Convention. Furthermore, the ruling addressed the rights of elderly people for the first time in its history.
In this sentence, the international responsibility of the Chilean State was affirmed due to its failure to guarantee the right to health, without discrimination, to Mr. Vinicio Antonio Poblete Vilches. Furthermore, the Court also highlighted that the State violated the right to substituted informed consent and access to health-related information, harming both Mr. Poblete and his family members. Additionally, the personal integrity of Mr. Poblete’s family members was affected due to the State’s actions, as stated in the decision.
In this specific case, Mr. Poblete Vilches was admitted twice to the Sótero del Río Public Hospital. Upon first admission, he underwent an intervention without the consent of his family and was discharged prematurely. During his second admission, he did not receive the necessary care, such as a mechanical respirator, and ended up passing away. This resulted in the international responsibility of the Chilean State for not guaranteeing the right to health of Mr. Poblete Vilches, given his vulnerable state as an elderly person, culminating in his death. Regarding the investigations related to the death of Mr. Poblete Vilches and the search for legal responsibility, the family filed criminal complaints in 2001 and 2005. The case was closed and reopened several times, but to date, no one has been held legally responsible.
In analyzing the merits, the Court reiterated the justiciability of article 26 of the Convention, based on the precedent of Lagos del Campo v. Peru(2), recalling that there is interdependence between civil and political rights and economic, social, cultural and environmental rights , as they must be understood integrally and holistically as human rights.
The Court highlighted the importance of addressing the rights of older people, especially in relation to health, for the first time. The court emphasized the need to recognize older people as holders of special rights, including comprehensive care, respect for autonomy and independence.
The Court argued that, for this vulnerable group, there is a reinforced obligation to guarantee the right to health, which implies providing necessary health services in an effective and continuous manner. Failure to comply with this obligation occurs when access to healthcare is denied or its protection is not ensured, which may result in the violation of other rights. Furthermore, the Court determined that age is a category protected by the American Convention, prohibiting discrimination related to age, including the need for inclusive policies for the entire population and easy access to public services, among other measures.
In summary, the Court determined that the Chilean State is internationally responsible for the lack of guarantee of Mr. Poblete Vilches’ rights to health, life, personal integrity, freedom, dignity and access to information, in accordance with several articles of the American Convention.
Furthermore, the State was considered responsible for the violation of these rights in relation to Mr. Poblete Vilches’ family members. Regarding the right to personal integrity of family members, the Court considered that the State was also responsible for the negative consequences that affected the family. Furthermore, the Court concluded that the access to justice provided by the State was inadequate due to serious delays and omissions, violating the articles related to the right to access to justice in the American Convention.
Finally, the Inter-American Court determined several reparation measures in relation to the case. This included satisfaction measures, as the publication of the sentence is a public act of recognition of responsibility by the State. Rehabilitation measures, such as medical and psychological assistance for victims, were also ordered. To prevent future violations, the State must implement human rights education programs, report to the Court on progress at the referral hospital, strengthen the National Institute of Geriatrics and its presence in hospital facilities, develop a publication explaining the rights of older people in in relation to health and create a general protection policy for elderly people. In addition, compensatory compensation measures, including payments for material and moral damages, were also ordered. The Inter-American Court will monitor compliance with these measures and will close the case only when the State has fully complied with the provisions of the sentence.
NOTES AND REFERENCES
(1) RIGOTTO. R. Desenvolvimento, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Sarlet, I. W., & Fensterseifer, T. (2010). Direito à saúde e proteção do ambiente na perspectiva de uma tutela jurídicoconstitucional integrada dos direitos fundamentais socioambientais (DESCA). BIS. Boletim Do Instituto De Saúde, 12(3), 248–253. https://doi.org/10.52753/bis.2010.v12.33760
(2) CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentencia CASO POBLETE VILCHES Y OTROS VS. CHILE (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). 8 de março de 2018. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_349_esp.pdf. Acesso em: 17 out. 2023
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentencia Caso Lagos Del Campo vs. Perú (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). 31 de agosto de 2017. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_340_esp.pdf. Acesso em: 17 out. 2023.
SEÇÃO 5: NOTÍCIAS DA UNIÃO EUROPEIA
- O direito ao aborto seguro:
uma reflexão sobre o debate jurídico no âmbito da União Europeia e Brasil.
Texto e tradução livre de João Iotti. Mestre pela Universidade de São Paulo (USP), Pesquisador do Projeto Global Crossings da Universidade Federal de Uberlândia, Cátedra Jean Monnet – União Europeia.
O parlamento Europeu realizou importante votação no ano de 2022, que até o momento repercute em diversos campos do conhecimento e debates políticos. Os eurodeputados condenaram, de forma majoritária, a criminalização ao aborto, bem como evidenciaram a necessidade de rompimentos aos obstáculos ao aborto seguro e reforçaram a necessidade do acesso de qualidade aos serviços de saúde. Destacaram-se, também, em matéria veiculada, argumentos atrelados aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em todo o mundo, norteando o entendimento para o acesso seguro ao aborto. Questões sobre a desigualdade social e seus impactos também foram objeto de fundamentação. Conforme matéria publicada no sítio eletrônico (1).
O debate sobre o tema, ultrapassa as linhas da territorialidade do direito doméstico, de modo que a relação do tema se torna complexo, com interferência de variáveis individuais, comunitárias, questões nacionais e globais (STRONG, 2022).
Em quase um ano após debate em âmbito da União Europeia, a discussão jurídica sobre o tema toma contornos profundos no território brasileiro. Em consonância ao entendimento majoritário do parlamento Europeu, no Brasil, em recente manifestação do Supremo Tribunal Federal (ADPF 442/DF), através de sua relatoria, votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, dentro das 12 semanas de gestação.
Questões globais sobre o tema, como o início da vida, direito reprodutivo, sexual da mulher e saúde pública ganham novos contornos e cores em relatório da Ministra Rosa Weber. Ainda sobre o tema, a proteção integral à saúde reprodutiva das mulheres irradia, com naturalidade, para outros campos de nossa comunidade global, como a própria política educacional e de prevenção, planejamento familiar e o próprio pilar da justiça social reprodutiva, afirma a Relatora. Matéria e voto podem ser acessados na íntegra (2).
Por fim, vale ressaltar, a Organizações das Nações Unidas, no ano 2022, também se posicionou sobre a necessidade de maior debate e recomendou aos países através de seu diretor-geral (Tedros Ghebreyesus) a necessidade de preservação dos direitos reprodutivos das mulheres, em sua fala: “[…] “todas as mulheres devem ter o direito de escolher quando se trata de seus corpos e saúde” (3). Portanto, o direito reprodutivo e sexual das mulheres e questões de saúde pública orbitam o debate internacional, com reflexos diretos no direito doméstico, como o caso do Brasil, mostrando a necessidade de maior debate sobre o tema e seu desenvolvimento de forma trans e interdisciplinar.
NOTAS E REFERÊNCIAS
- NEWS EUROPEAN PARLIAMENT. Press Releases. Right to safe and legal abortion must be safeguarded, MEPs demand. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room/20220603IPR32144/right-to-safe-and-legal-abortion-must-be-safeguarded-meps-demand. Acesso em: 21 out. 2023.
- BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portal de Notícias. Relatora vota pela descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação; julgamento é suspenso. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514619&ori=1. Acesso em: 15 out. 2023.
- NAÇÕES UNIDAS. ONU News Perspectiva Global Reportagens Humanas. Retrocessos no direito ao aborto seguro devem causar mais mortes, afirma OMS. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2022/06/1794132. Acesso em: 17 out. 2023.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 442 DISTRITO FEDERAL (ADPF 442/DF) Voto da Ministra Rosa Weber (relatora). Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Voto.ADPF442.Versa771oFinal.pdf. Acesso em: 21 out. 2023.
Strong J. Men’s involvement in women’s abortion-related care: a scoping review of evidence from low- and middle-income countries. Sex Reprod Health Matters. 2022 Dec;30(1):2040774. doi: 10.1080/26410397.2022.2040774. PMID: 35323104; PMCID: PMC8956302. Acesso em: 21 out. 2023.
Versão em inglês
- The Right to Safe Abortion: A Reflection on the Legal Debate in the European Union and Brazil.
Text and free translation by João Iotti. Msc. from the University of São Paulo (USP), Researcher at the Global Crossings Project at the Federal University of Uberlândia, Jean Monnet Chair – European Union.
In 2022, the European Parliament held a pivotal vote that continues to reverberate across various realms of knowledge and political discourse. The majority of Members of the European Parliament condemned the criminalization of abortion, emphasized the necessity of removing barriers to safe abortion, and underscored the importance of providing quality access to health services. They also elucidated arguments concerning women’s sexual and reproductive rights worldwide, which informed the comprehension of safe access to abortion. The article published on the website (4) also addressed issues of social inequality and their impact.
The debate on this matter extends beyond the confines of national law, resulting in a complex interplay of individual and communal variables, as well as national and global concerns (STRONG, 2022). Nearly a year after the European Union debate, the legal discussion on the subject has assumed profound dimensions in Brazil. In alignment with the majority perspective of the European Parliament, the Brazilian Supreme Court (ADPF 442/DF) recently voted to decriminalize voluntary abortion within the first 12 weeks of pregnancy. Global issues such as the inception of life, reproductive rights, women’s sexual rights, and public health assume new dimensions in Judge Rosa Weber’s report. The rapporteur also notes that the full protection of women’s reproductive health naturally extends into other facets of our global community, including education and prevention policies, family planning, and the fundamental tenets of reproductive social justice. The complete article and the vote can be accessed at the following link (5)
Lastly, it is noteworthy that in 2022, the United Nations also took a stance on the necessity for more extensive debate and recommended to countries, through its Director-General, Tedros Ghebreyesus, the preservation of women’s reproductive rights in his speech: “[…] all women must have the right to choose when it comes to their bodies and health” (6). Consequently, issues related to women’s reproductive and sexual rights, along with public health, form the focal point of the international discourse, with direct implications for domestic legislation, as observed in the case of Brazil, thus emphasizing the need for a more extensive interdisciplinary discussion on the subject.
NOTAS AND REFERENCES
- NEWS EUROPEAN PARLIAMENT. Press Releases. Right to safe and legal abortion must be safeguarded, MEPs demand. Retrieved from: https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room/20220603IPR32144/right-to-safe-and-legal-abortion-must-be-safeguarded-meps-demand. Accessed on: Oct. 21, 2023.
- BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portal de Notícias. Relatora vota pela descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação; julgamento é suspenso. Retrieved from: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514619&ori=1. Accessed on: Oct. 15, 2023.
- NAÇÕES UNIDAS. ONU News Perspectiva Global Reportagens Humanas. Retrocessos no direito ao aborto seguro devem causar mais mortes, afirma OMS. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2022/06/1794132. Acesso em: 17 out. 2023.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 442 DISTRITO FEDERAL (ADPF 442/DF) Voto da Ministra Rosa Weber (relatora). Retrieved from: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Voto.ADPF442.Versa771oFinal.pdf. Accessed on: Oct. 21, 2023.
Strong J. Men’s involvement in women’s abortion-related care: a scoping review of evidence from low- and middle-income countries. Sex Reprod Health Matters. 2022 Dec;30(1):2040774. doi: 10.1080/26410397.2022.2040774. PMID: 35323104; PMCID: PMC8956302. Accessed on: Oct. 21, 2023.
- Mecanismo de Ajuste Carbono Fronteiriço (CBAM) começa a ser aplicado em sua fase de transição.
Texto e tradução livre de Caíque Viana, Estudante de Relações Internacionais na Universidade Federal de Uberlândia (UFU-MG). Pesquisador Bolsista do Projeto Global Crossings da Universidade Federal de Uberlândia, Cátedra Jean Monnet– União Europeia.
Primeiramente, o CBAM representa uma ferramenta estratégica da UE projetada para abordar o vazamento de carbono, que ocorre quando empresas transferem suas operações para países com regulamentações ambientais mais frouxas para evitar restrições mais rigorosas. O objetivo principal do CBAM é equiparar o preço do carbono entre produtos domésticos e importações, garantindo que as políticas climáticas da UE não sejam subvertidas por práticas comerciais desleais. Ainda, a implementação da fase de transição do CBAM terá início em 1º de outubro e inicialmente se concentrará em importações de produtos como cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. Durante essa fase, os importadores da UE terão a obrigação de relatar o volume de suas importações e as emissões de gases de efeito estufa associadas à produção desses produtos, embora não estejam sujeitos a ajustes financeiros imediatos.
Vale ressaltar que foram incorporadas flexibilidades ao CBAM durante seu primeiro ano de implementação, como a permissão para usar valores padrão no relatório de emissões incorporadas e a possibilidade de adotar as regras de monitoramento, relatórios e verificação do país de origem. A fase de transição tem um propósito de aprendizado, beneficiando todas as partes interessadas, incluindo importadores, produtores e autoridades. A Comissão Europeia utilizará esse período para coletar informações valiosas sobre as emissões incorporadas, com o objetivo de aprimorar a metodologia antes do período definitivo, que começará em 2026. A partir desse ponto, os importadores deverão adquirir e entregar “certificados CBAM” que correspondam às emissões de gases de efeito estufa incorporadas nos produtos importados.
No mais, para apoiar os importadores da UE na implementação prática das novas regras, será disponibilizado um registro de transição do CBAM, que facilitará os cálculos e relatórios. A Comissão Europeia também disponibilizará orientações detalhadas por escrito, materiais de treinamento online, informações específicas por setor e uma lista de verificação passo a passo, proporcionando auxílio às empresas à medida que o mecanismo de transição for implementado.
Nesse contexto, é relevante ressaltar que estão planejadas avaliações do funcionamento do CBAM e do escopo dos produtos durante a fase de transição, com a possibilidade de expansão da aplicação do CBAM para outros produtos em setores cobertos pelo Sistema de Comércio de Emissões da UE.
REFERÊNCIAS
EUROPEAN COMMISSION. Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) starts to apply in its transitional phase.Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_23_4685. Acesso em: 17 out. 2023.
Versão em inglês
- The Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) is starting to be implemented in its transitional phase.
Text and free translation by Caíque Viana, International Relations Student at the Federal University of Uberlândia (UFU-MG). Research Fellow of the Global Crossings Project at the Federal University of Uberlândia, Jean Monnet Chair – European Union.
Firstly, CBAM represents a strategic tool of the EU designed to address carbon leakage, which occurs when companies relocate their operations to countries with less stringent environmental regulations to avoid stricter restrictions. The primary objective of CBAM is to equalize the carbon price between domestic products and imports, ensuring that the EU’s climate policies are not undermined by unfair trade practices. Furthermore, the implementation of the CBAM transitional phase will commence on October 1st and will initially focus on imports of products such as cement, iron and steel, aluminum, fertilizers, electricity, and hydrogen. During this phase, EU importers will be required to report the volume of their imports and the greenhouse gas emissions associated with the production of these products, although they will not be subject to immediate financial adjustments.
It is worth noting that flexibilities have been incorporated into CBAM during its first year of implementation, such as the allowance to use default values in reporting embedded emissions and the option to adopt the monitoring, reporting, and verification rules of the country of origin. The transitional phase serves as a learning period, benefiting all stakeholders, including importers, producers, and authorities. The European Commission will use this period to gather valuable information about embedded emissions with the aim of refining the methodology before the definitive period begins in 2026. From that point onward, importers will be required to purchase and surrender “CBAM certificates” corresponding to the greenhouse gas emissions embedded in the imported products.
Moreover, to support EU importers in the practical implementation of the new rules, a CBAM transitional registry will be made available to facilitate calculations and reporting. The European Commission will also provide detailed written guidance, online training materials, sector-specific information, and a step-by-step checklist to assist businesses as the transitional mechanism is rolled out.
In this context, it is relevant to highlight that assessments of the CBAM’s functioning and the scope of products are planned during the transitional phase, with the possibility of expanding the application of CBAM to other products in sectors covered by the EU Emissions Trading System.
REFERENCES
EUROPEAN COMMISSION. Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) starts to apply in its transitional phase.Retrieved from: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_23_4685. Access on: Oct. 17, 2023.
EVENTOS:
O I Congresso Global Crossings Brasil-Portugal será realizado no âmbito da Cátedra Jean Monnet da Universidade Federal de Uberlândia (Minas Gerais, Brasil), em conjunto com o Instituto Iberoamericano de Estudos Jurídicos – IBEROJUR – (Porto, Portugal) e a Coimbra Business School, nos dias 12 e 13 de dezembro de 2023, na cidade de Coimbra, Portugal, no formato de apresentações de trabalhos presencial e on-line.
O Projeto GLOBAL CROSSINGS é um Projeto de Pesquisa que se desenvolve no âmbito da Cátedra Jean Monnet, União Europeia, Erasmus+, que tem três eixos principais de investigação: cidadania global; mudanças climáticas/ecocídio e transhumanidade, e será desenvolvido por três anos com a finalidade de disseminar o conhecimento da União Europeia no Brasil. É coordenado pela Profa. Claudia Loureiro, da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Professora Efetiva do Magistério Superior, exercendo as suas atividades como docente da Universidade Federal de Uberlândia.
I Congresso Internacional Global Crossings da Cátedra Jean Monet é um evento científico delineado no contexto da Cátedra Jean Monnet para disseminar as pesquisas realizadas no âmbito do Projeto Global Crossings, assim como as pesquisas realizadas pelos diversos investigadores integrantes da rede IBEROJUR decorrentes de projetos próprios que se alinham às áreas científicas do instituto. Conjuga-se a esses objetivos, a missão institucional do Coimbra Business School, cujos valores de integração científica no mundo lusófono se amoldam aos objetivos do congresso.
Concomitantemente, a organização promoverá o II Congresso de Biodireito, Bioética e Direitos Humanos, evento que se tem afinidade temática com o Congresso Global Crossings e o qual se somará com a presença de professores engajados nos temas do evento.
Convida-se a comunidade académico-científica nacional e internacional a submeter trabalhos (resumos e/ou artigos) com vistas à apreciação do Comité Científico do congresso, que, após a avaliação, escolherá os trabalhos a serem apresentados nos painéis dos eventos.
Prazo final para submissão das propostas/ resumos: 20 de novembro de 2023.
Confira as áreas temáticas/edital: https://iberojur.com/global-crossings-catedra-jean-monnet-coimbra/
Prazo final para submissão do artigo completo: 13 de janeiro de 2024.