Andreza Borsatto

Pesquisadora da Cátedra Jean Monnet

Bolsista de Iniciação Científica

Quando se fala em migrações, muitos não entendem a dimensão dessa temática. Há indícios e registros de deslocamentos de indivíduos e populações desde os primórdios da humanidade. Mas foi no contexto da globalização e intensificação da interconexão entre os diferentes lugares do mundo, que os deslocamentos tomaram novas proporções. Diante dos desafios que permeiam o cenário contemporâneo global, como os conflitos entre países, as dificuldades no enfrentamento das mudanças climáticas, pobreza, desemprego, fome, as migrações internacionais se intensificaram e exigem medidas e políticas adequadas para lidar com essa demanda. 

No contexto da União Europeia – conjunto de países que recebem grande número de migrantes, principalmente refugiados – até meados de 1990, a questão era tratada no âmbito interno de cada Estado membro. Contudo, no final do século XX, as questões relacionadas com a imigração e o asilo, no sentido de esforços para a cooperação entre os Estados membros, se tornaram uma prioridade para as autoridades europeias, as quais almejavam harmonizar e a padronizar as normas e os procedimentos para a solicitação de refúgio. Nessa conjuntura, foi adotado, em 1999, o Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) como parte constituinte do objetivo da União Europeia de progressivamente estabelecer uma área de liberdade, segurança e justiça, aberta àqueles que, forçados pelas circunstâncias, buscam legitimamente proteção na União (UNIÃO EUROPEIA, 2013, p. 1).

Esse sistema era composto por várias diretrizes e regulamentações que visavam controlar o fluxo migratório e definir responsabilidades entre os Estados-membros. O Regulamento de Dublin, por exemplo, determinava que a responsabilidade pela análise do pedido de refúgio deve pertencer, primeiramente, ao Estado membro que teve a principal responsabilidade na entrada do requerente na UE. Essa diretriz, apesar de ser a mais conhecida, era apenas uma parte do sistema regulatório, que também incluía outras medidas de apoio, como a Diretriz de Condições de Acolhimento, Diretriz de Procedimentos de Asilo e a Diretriz de Estatuto do Refugiado, que definiam os direitos básicos dos solicitantes. 

Entretanto, o regulamento começou a enfrentar diversas limitações com o aumento das ondas migratórias com destino a UE no ano de 2015. A aplicação do Regulamento de Dublin sobrecarregou os países de entrada, e a falta de um mecanismo de redistribuição eficaz gerou desigualdades entre os Estados-membros. Além disso, o processo de análise de pedidos de asilo era lento e frequentemente deixava os migrantes em situações de vulnerabilidade prolongada. 

Diante da insatisfação e da ineficiência que o regulamento demonstrou, no ano de 2020, foi proposto pela Comissão Europeia o novo pacto europeu em matéria de migração e asilo, que foi aprovado em 2024. Esse novo pacto altera o sistema regulatório, visando facilitar uma abordagem mais equitativa e flexível. Entre suas inovações, o pacto traz um mecanismo de “solidariedade flexível”, que permite que os Estados-membros escolham entre acolher migrantes ou auxiliar financeiramente os países que estão sob maior pressão migratória.

O novo pacto também conta com procedimentos de triagem nas fronteiras, que serão implementados para melhor identificação dos solicitantes de asilo e das pessoas que não têm direito a permanecer na UE. Essa ideia visa acelerar o processo, diminuindo o tempo de espera dos migrantes e tornando mais eficaz o funcionamento do sistema. 

A alteração mais relevante entre o antigo regulamento e o novo pacto é a redistribuição das responsabilidades. O sistema anterior, principalmente a Diretriz do Regulamento de Dublin, impunha o peso da responsabilidade aos países de entrada, exigindo que esses países efetivassem todos os pedidos de asilo. No novo pacto, tenta-se redistribuir essa responsabilidade entre todos os estados membros, oferecendo opções para aqueles que não acolhem migrantes, mas podem contribuir monetariamente. 

Além disso, o novo pacto espera acelerar o processamento dos pedidos de asilo, uma carência do sistema antigo. Os novos processos de triagem e os centros de recepção nas fronteiras pretendem proporcionar uma análise mais rápida e eficaz, reduzindo os índices de espera e evitando a congestão dos migrantes em campos sobrecarregados. 

Uma outra dimensão de comparação são as medidas de cooperação com os países externos. Embora o regulamento anterior contenha cláusulas para o testemunho de colaboração internacional, ele não foi buscado pelo novo pacto, o qual, no entanto, visa a inclusão de parcerias com países de origem e países de trânsito e um sistema de retorno mais conveniente para aqueles que não têm o direito à asilo.

Conclui-se, portanto, que o pacto de migração e asilo adotado em 2024 apresentou avanços e mudanças significativas em relação ao antigo regulamento, embora existam desafios para sua implementação efetiva e muitas críticas. O pacto ainda é recente para inferir sobre seu sucesso, e requer, não só reformas estruturais e legislativas, mas um comprometimento político verdadeiramente colaborativo entre os Estado-membros. 

REFERÊNCIAS

Conselho e Parlamento Europeu realizam avanço decisivo na reforma do sistema de asilo e migração da EU. European Comission, 20 dez. 2023. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2023/12/20/the-council-and-the-european-parliament-reach-breakthrough-in-reform-of-eu-asylum-and-migration-system/. Acesso em: 7 nov. 2024. 

Gerir a migração de forma responsável. European Comission, 21 jul. 2024. Disponível em: < https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/story-von-der-leyen-commission/managing-migration-responsibly_en>. Acesso em: 21 out. 2024.

HENRIQUES, Anna Beatriz Leite. A (IN) EFETIVIDADE DO SISTEMA EUROPEU COMUM DE REFÚGIO NA PROTEÇÃO DOS REFUGIADOS NA UNIÃO EUROPEIA THE (IN) EFFECTIVENESS OF THE COMMON EUROPEAN ASYLUM SYSTEM IN REFUGEE PROTECTION IN THE EUROPEAN UNION. Revista de Estudos Internacionais (REI), v. 5, n. 1, p. 2014.

MARTÍN, Rafael Peláez; PIMENTEL, Dulce; MEDEIROS, Carlos Alberto. O sistema europeu comum de asilo: Implementação e resultados. Uma análise comparativa da situação em Portugal e Espanha. In: Península Ibérica no Mundo: problemas e desafios para uma intervenção ativa da Geografia: Livro de Atas. XVI Colóquio Ibérico de Geografia. Centro de Estudos Geográficos, 2018. p. 476-485.

Um novo Regulamento Gestão do Asilo e da Migração. European Comission, 8 out. 2024. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/eu-migration-policy/eu-migration-asylum-reform-pact/asylum-migration-management/. Acesso em: 7 nov. 2024.

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