Texto: Prof. Dr. Thiago Giovani Romero e Mestrando Marlon Antonio Rosa
O Grupo dos Vinte (G20), fundado em 1999, reúne os 19 principais países industrializados e emergentes do mundo, juntamente com a União Europeia e, recentemente, a União Africana, com o objetivo de promover discussões estratégicas e tomadas de decisão coletivas nas áreas financeira, política e social. Compreendendo mais da metade da população mundial e representando cerca de 85% do Produto Interno Bruto global, mais de 75% do comércio mundial e cerca de dois terços da população mundial. Este fórum de discussões se tornou uma plataforma crucial para abordar desafios globais interligados, desde questões econômicas até temáticas ambientais e sociais. O G20 se organiza em duas faixas paralelas de atuação, a Trilha de Sherpas e a Trilha de Finanças. A Trilha de Sherpas é comandada por emissários pessoais dos líderes do G20, que supervisionam as negociações, discutem os pontos que formam a agenda da cúpula e coordenam a maior parte do trabalho. A Trilha de Finanças trata de assuntos macroeconômicos estratégicos e é comandada pelos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países-membros.
Desde dezembro de 2023, o Brasil assume, pela primeira vez na história do grupo, a liderança do G20, sucedendo à Índia e com mandato até 30 de novembro de 2024, quando passará o bastão para a África do Sul. Essa posição privilegiada oferece ao país diversos benefícios políticos, diplomáticos e econômicos, além de permitir-lhe influenciar a agenda internacional nos próximos meses. A relevância dessa conquista brasileira e algumas das prioridades previstas para a Reunião do G20 de 2024, realizada no Rio de Janeiro, podem ser vistas por tais perspectivas, a saber:
(i) Visibilidade: ser presidente do G20 coloca o Brasil sob os holofotes internacionais, aumentando seu prestígio e credibilidade entre outros líderes mundiais, isso também permite apresentar melhor a imagem positiva do país perante investidores e parceiros comerciais potenciais;
(ii) Agenda nacional: como anfitriã, a delegação brasileira terá maior capacidade de incluir assuntos nacionais importantes na agenda do grupo, possivelmente levando à resoluções ou compromissos favoráveis às causas domésticas;
(iii) Diplomacia Multilateral: liderar o G20 fortalece ainda mais a postura multilateral do Brasil, demonstrando sua disposição para trabalhar cooperativamente por soluções conjuntas a problemas complexos, isto contribui para consolidar relações bilaterais e regionais;
(iv) Influência Política: exercitar a presidência do G20 dota o Brasil de poder negociador adicional durante períodos críticos, especialmente quando lidam-se com crises sistêmicas ou conflitos geopolíticos.
Além da participação de diversos organismos internacionais, o Brasil entre suas prerrogativas de presidente, convidou Angola, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha (convidada permanente), Nigéria, Noruega, Portugal e Singapura como observadores das reuniões que ocorrerão esse ano. Além do encontro entre Ministros de Relações Exteriores que ocorreu nos dias 21 e 22 de fevereiro de 2024, o Brasil ao longo de sua gestão, realizará centenas de reuniões de grupos de trabalhos, descentralizadas em 15 cidades em todo o território nacional e ainda, encerrando os trabalhos na Cúpula de Chefes de Estado e de Governo, nas datas de 18 e 19 de novembro de 2024, que também ocorrerá no Rio de Janeiro.
O Brasil assume a presidência do G20 em um momento que o mundo experimenta grandes avanços em questões tecnológicas (inteligência artificial, 5G, governança digital, etc), fortalecimento e novas formações geopolíticas de poder, principalmente entre países emergentes ou do chamado sul global, e ao mesmo tempo passa por agravamento das crises climáticas e intensos conflitos bélicos. É o que também se observa nos trechos extraídos do discurso do Presidente Luís Inácio Lula da Silva quando do encerramento da Cúpula do G20:
“Vivemos num mundo em que a riqueza está mais concentrada. Em que milhões de seres humanos ainda passam fome. Em que o desenvolvimento sustentável está sempre ameaçado. Em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado. Só vamos conseguir enfrentar todos esses problemas se tratarmos da questão da desigualdade. A desigualdade de renda, de acesso a saúde, educação e alimentação, de gênero e raça e de representação está na origem de todas essas anomalias. Se quisermos fazer a diferença, temos que colocar a redução das desigualdades no centro da agenda internacional.”
Neste cenário, o lema adotado pelo Brasil para representar sua gestão é: “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”. Já dentre os trabalhos no grupo, anunciou três eixos prioritários: a) combate à fome, pobreza e desigualdade; b) o desenvolvimento sustentável, em suas dimensões econômica, social e ambiental, e; c) reforma da governança global. Entre outras propostas, também está o lançamento da Força Tarefa de Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, Força Tarefa para a Mobilização Global contra a Mudança Climática e a Iniciativa para a Bioeconomia.
Outro ponto que se pode observar no discurso do presidente são às orientações gerais de: a) as trilhas de Sherpas e de Finanças atuem de forma integrada nos trabalhos, já tendo ocorrido reunião inédita entre as duas; b) envolvimento da sociedade nos debates e discussões do G20, inclusive a presidência brasileira inova ao criar o G20 Social; c) não interferência de questões geopolíticas de modo a prejudicar os trabalhos do G20.
Em sua fala de abertura, em português, é bom ressaltar, no encontro entre ministros de relações exteriores, o Ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira ressaltou no início de seu discurso:
…a importância que o Brasil atribui à promoção da inclusão social, ao combate à fome e à pobreza e à realização do desenvolvimento sustentável (…) Em particular, gostaria de fazer um apelo a todos vocês para que prestem especial atenção e deem apoio às discussões em curso com o objetivo de lançar uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma prioridade-chave de nossa presidência no G20.
É importante entender que as agendas do G20 são dinâmicas e refletem tanto preocupações universais quanto especificidades locais. Como parte integrante da Agenda 2030 das Nações Unidas, espera-se que a transição sustentável seja debatida e posta em deliberações do G20. Neste sentido, discutir mecanismos inovadores de financiamento verde, mitigação climática e desenvolvimento limpo são pontos chave para esta edição. Além disso, considerando a localização costeira da cidade sede – Rio de Janeiro –, espera-se debates voltados para preservação marinha e gestão responsável dos oceanos. Outro ponto, embora já tenham algum tempo desde a pandemia COVID-19, seus impactos persistem e continuam afetando economias pelo mundo inteiro. Assim, buscar formas de acelerar a recuperação ecológica e estabelecer medidas preventivas contra futuras ameaças sanitárias parece inevitável dentro deste encontro.
Considerando a dependência externa do Brasil em termos de insumos vitais, como fertilizantes, proteger a produção nacional e estimular práticas agriculturais sustentáveis, aparece como imperativo regional e continental. Discutindo modelos produtivos alternativos e novas fontes de recursos naturais renováveis, o G20 deverá explorar caminhos viáveis rumo à soberania alimentar sem prejudicar ecossistemas frágeis.
Adicionalmente, garantir a segurança alimentar e nutricional enfrentando distúrbios globais permanentes merece particular atenção. Os membros do G20 reconhecem cada vez mais a urgência de combater disparidades socioeconômicas persistentes e expandir oportunidades equitativas para todos. No âmbito digital, isto inclui incentivar infraestrutura tecnológica robusta e ampliar acesso universal à internet, visando reduzir lacunas digitais existentes entre regiões ricas e pobres.
Uma área onde o G20 teve avanços notáveis nos últimos anos e que se espera também novas políticas, é a reforma fiscal internacional. Diante da evasão fiscal generalizada e da erosão da base imponível, há grande pressão para implementar padrões harmonizados de cobrança de impostos corporativos e individualizar esforços antifraude. Em relação aos eventos bélicos que ocorrem atualmente ao redor do mundo, o Brasil traz nos debates dentro do G20, seguindo seu histórico de país mediador e que defende a paz acima de tudo, por meio de resoluções pacíficas. E nesse ponto, interessante mais uma vez trazer também outro trecho do do Ministro Vieira, que aborda os métodos diversos observados quando se analisa norte e sul global e a importância de maior espaço de discussão para as nações do sul global:
“ … Segundo algumas estimativas, atingimos um número recorde de conflitos em andamento no mundo – mais de 170 –, enquanto as tensões geopolíticas também estão aumentando. (…) As instituições multilaterais, contudo, não estão devidamente equipadas para lidar com os desafios atuais, (…) o norte está unido em torno de uma aliança militar, enquanto o sul é coberto por diversas camadas e zonas de paz e cooperação, como a ZOPACAS, a OPANAL, a África desnuclearizada sob resolução da ONU, a própria União Africana e muitos outros exemplos. A situação absolutamente extraordinária em que todo o Hemisfério Sul do planeta optou por permanecer desnuclearizado é pouco destacada sob a narrativa predominante. Os casos bem-sucedidos de cooperação pacífica da América Latina, África, Sudeste Asiático e Oceania fazem com que as vozes dessas regiões devam ser ouvidas nos foros relevantes com especial cuidado e atenção.”
Percebe-se que tal discurso reforça o terceiro eixo, de reforma da governança global, algo que a muito tempo o Brasil defende que seja analisado e concretizado. A presidência do G20 mostra o poder diplomático do Brasil em um cenário internacional que apresenta relevantes mudanças, não é atoa que Josep Borrell, o chefe da diplomacia da União Europeia, em entrevista à Folha de S. Paulo, manifestou o quão crucial é o papel do Brasil como mediador no grupo, possuindo uma posição estratégica de diálogo entre as nações, um ponto de conexão entre sul e norte global.
Ousamos dizer que o Brasil passa por um momento ímpar em suas relações internacionais, uma vez que a presidência do G20 se soma a diversos episódios que colocam o país como um dos atuais protagonistas na diplomacia internacional, como sua atuação no fortalecimento do BRICS, buscas de reformulações no Mercosul, e participação no encontros da Liga Árabe no Egito e da União Africana na Etiópia.
Portanto, percebe-se que a presidência brasileira do G20 em 2024 marca um momento único na história recente do país, conferindo-lhe voz predominante numa arena vital para determinar diretrizes globais. As pautas selecionadas aqui ilustram somente partes salientes do vasto leque de temas tratados pelos líderes mundiais presentes nestas ocasiões. Por conseguinte, cabe ao governo brasileiro capitalizar adequadamente esta chance singular, conduzindo diálogos construtivos e orientando decisões benéficas tanto para si próprio quanto para toda comunidade internacional.
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